José Guedes
Cmt.TAP
Lisboa
José Manuel de Carvalho Morgado
frequentou a Escola Naval entre 1961 e 1965 tendo depois ingressado na Força
Aérea Portuguesa como voluntário. Prestou serviço em Moçambique como Alferes
Piloto Aviador até 1969 tendo depois entrado para a TAP onde teve um percurso
brilhante.
Como não podia deixar de ser também apanhou alguns sustos. Aqui se relata um
deles.
Junho de 1969.
Em virtude de ter de comparecer à cerimónia do 10 de Junho em Lourenço
Marques (LM), saí de Nacala, Aeródromo Base (AB-5) num T-6 que iria fazer uma
grande revisão nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA). A viagem
para sul demorou os habituais dois dias, com os stops para reabastecer e ou
pernoitar em Quelimane, Beira e Inhambane, tendo chegado a Lourenço Marques no
dia 8 ao fim da tarde.
Tudo decorreu normalmente, incluindo a
cerimónia do 10 de Junho.
Fiquei a aguardar que as OGMA’s me
entregassem o avião ou eventualmente um outro
que estivesse em condições de regressar a
Nacala. Fiz vários voos de ensaio em
Do-27 e em T-6 que estavam em grandes
revisões. Entretanto ficaram prontos dois T-6
e o Furriel Piloto Seabra foi nomeado para seguir a meu asa no regresso a
Nacala. Seríamos acompanhados por um segundo sargento mecânico.
Cumpridas as formalidades habituais saímos da parte militar do aeroporto de
Lourenço Marques e descolámos em direcção a Inhambane onde faríamos a primeira
aterragem para reabastecimento. A viagem decorreu sem problemas ao longo da
magnífica costa moçambicana a altitudes de cerca de 500 pés acima do
terreno.
Ao entrar em contacto com a torre de Inhambane para instruções de aterragem
verifiquei que havia um avião da DETA - Linhas Aéreas de Moçambique em
aproximação ao aeroporto pelo que pedi autorização para uma passagem baixa
sobre a cidade, o que me foi concedido. Mandei o meu asa passar para formação
cerrada e ficar por cima. Foi nesta condição que começámos a sobrevoar a
baía interior a muito baixa altitude. A determinada altura o meu avião
começou a vibrar muito, mandei o asa afastar-se elogo depois deverei ter
perdido uns cinco pés de altitude o que fez com que o hélice batesse na água
e partisse uma ponta o que, como é evidente, agravou a vibração e provocou
perda de velocidade. Voltei para a direita com o objectivo de atingir a costa
mas rapidamente constatei que tal era impossível pelo que optei pela amaragem,
tendo efectuado de imediato todos os procedimentos adequados à situação. O
avião bateu na água com um estrondo violento e de imediato começou a
afundar-se. Era suposto aguentar-se uns escassos minutos a flutuar mas tal não
sucedeu, tendo o nariz de imediato começado a desaparecer na água. Tentei sair
do cockpit mas fiquei preso pela perna direita num emaranhado entre os cintos
do avião e os do pára-quedas. Optei por deixar-me arrastar com o T6 agora
transformado em submarino e depois, já debaixo de água, reentrei no cockpit e
desapertei a fivela que estava a impedir a minha libertação.
Entretanto o meu asa, Furriel Seabra, que desconhecia os meus problemas,
continuou a sobrevoar a zona até que para sua grande surpresa me viu chegar à
superfície. Alguns minutos depois apareceu uma embarcação de pescadores que
me retirou da água e rumou para Inhambane, de onde já tinham saído outros
barcos pois nesse dia havia um festival náutico e algumas pessoas presenciaram
a amaragem.
Notas sobre o incidente:
O silêncio que se seguiu ao impacto foi verdadeiramente assustador e durante
muitos anos vivi com ele na memória
Como mandam as normas, quando saí do avião desfiz-me de todo o equipamento
que pudesse prejudicar a minha flutuabilidade mas quando chegou a vez dos
sapatos decidi mantê-los nos pés porque achei que mais tarde iriam fazer-me
falta. Mantive também o capacete, pois havia falta deles na nossa Base. Ideias
peregrinas e completamente erradas que só podem encontrar explicação na
situação particularmente "stressante" em que me encontrava.
Duas notas finais:
Segundo o Jornal de Notícias, passados três dias sobre o incidente um pescador
caiu à água no local aproximado da amaragem e foi devorado por um tubarão.
O avião foi retirado da água alguns meses depois relativamente intacto. Viria
a servir de base a um monumento às Forças Armadas Portuguesas em Moçambique
Voo de Origem:
O Aviador