terça-feira, 5 de setembro de 2017

Voo 3454 A MURALHA




José Guedes
Cmt.TAP
Lisboa


A MURALHA
Este post está a ser escrito propositadamente de madrugada que é quando aquela imagem da direita aparece nos monitores dos aviões para nos dar trabalho e despertar os sentidos, como aconteceu na passada semana com o autor da foto, comandante Pedro Caldas, a quem agradeço o envio.
Conheço o Pedro praticamente desde que nasceu. Vi-o pela primeira vez em Vero Beach corria o ano de 1972 quando foi visitar o pai João, meu colega de curso e amigo próximo. Tinha então um feitio difícil e fazia uns berreiros monumentais que só acalmavam quando o levávamos a ver os aviões. Teria pouco mais de um ano de idade mas já sabia muito bem o que queria.
Resultado: aos vinte anos já era piloto da TAP graças a uma autorização especial que lhe permitia voar com idade inferior ao mínimo regulamentado, 21 anos. 
Quando me apareceu vestido de copiloto no cockpit de um Boeing 737 nem quis acreditar:
"Tens a certeza que já não precisas de fralda?", perguntei. Não só não precisava como fazia brilhantemente todo o trabalho do copiloto, do comandante e da restante tripulação do avião, se necessário. A única coisa que pedia em troca era comida. Muita comida.
Hoje é comandante de Airbus A330 e tem todas as qualificações possíveis e imaginárias dentro da profissão.
A imagem que mandou é-me bastante familiar. Vi-a à minha frente dezenas de vezes ao longo da carreira. Trata-se de uma "muralha" de nuvens de grande actividade outrora conhecida como Frente Inter Tropical, a zona de convergência das massas de ar dos hemisférios norte e sul que ocorre nas proximidades do equador. Chama-se hoje ZCIT, Zona de Convergência Inter Tropical e, para conforto de todos, deve ser evitada pelos aviões que voam nessa área.
Felizmente os radares de hoje oferecem mecanismos de detecção muito sofisticados que permitem evitar as zonas de maior actividade, como se pode ver na imagem. 
As células mais activas aparecem a vermelho, seguindo-se a amarelo as zonas de intensidade média e finalmente a verde as nuvens que o avião pode atravessar sem grandes sobressaltos. Claro que estou a falar de nuvens que não destroem aviões mas que podem causar alguma turbulência, coisa que a maioria dos passageiros dispensa, muito obrigado.
Continuando a ler os monitores do A330 constatamos que são 04:02 horas da madrugada e que o voo decorre a 39 mil pés, FL390. Há um ligeiro vento de frente (040/24 kts) e a velocidade em relação ao solo é de 430 kts, ou seja, cerca de 770 km/h. Em altitude o que interessa é o número de Mach que, por prudência e conforto, se programou para Mach .80 ( .793 naquele momento)
Para evitar a zona da FIT de maior turbulência o A330 voa em offset, 24 milhas à direita da rota que se apresenta a tracejado, obviamente com conhecimento do Controle de Tráfego Aéreo.
Como é que isto acabou? Muito bem. O A330 atravessou tranquilamente a "muralha", deu dois ou três solavancos mas passados dez minutos já todos (enfim, quase todos) os passageiros estavam a dormir.
Visto do cockpit o espectáculo dos céus iluminados por dezenas de relâmpagos não é coisa que se perca. É a natureza em todo o seu esplendor.
Perigosos, os relâmpagos? Nem pouco mais ou menos. A Gaiola de Faraday que nos mostraram nos primeiros anos do liceu explica como as coisas funcionam

Origem do voo:

O Aviador

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