domingo, 9 de agosto de 2015

Voo 3393 HIDROAVIÕES NO ESTUÁRIO DO MINHO




João Carlos Silva
Esp.MMA
Sobreda

Hidroaviões no estuário do Minho


Nesta época do ano em que eventualmente se tornam mais propícias as deambulações por outras paragens, diferentes do nosso dia-a-dia, encontrei este artigo do jornal digital regional Caminh@2000 que, embora seja de 2013, me parece muito interessante e nos traz alguma informação sobre os primeiros dias da aviação militar portuguesa, suportado em textos do primeiro quartel do século XX.

"A recente feliz presença no concelho de diversos hidroaviões de combate a incêndios — do tipo canadair, pertencentes à Força Aérea Croata e à "Securité Civile" francesa —, com as sempre espetaculares imagens das manobras de reabastecimento de água no estuário do rio Minho e no mar, ao largo da Gelfa, serve de pretexto para recordar as ligações históricas de Caminha à aviação naval e aos aeroplanos com flutuadores.

Uma relação que se iniciou em 1919, dois anos após o nascimento do Serviço de Aviação da Armada no seio da Marinha portuguesa, em plena Grande Guerra. Nas origens da criação da nossa aviação naval esteve um estágio em França de dois oficiais da Armada (Sacadura Cabral e António Caseiro) e a instalação em 1918, em S.Jacinto (Aveiro), de uma base francesa de hidroaviões de combate aos submarinos alemães que, terminado o conflito mundial, daria lugar à base aérea portuguesa que ainda subsiste. Foi também neste ano que começaram a operar os hidroaviões F.B.A. (Franco-British Aviation, sociedade fundada pelo engenheiro francês Louis Schreck) que constituíram a primeira esquadrilha aérea nacional. Foram dois destes aeroplanos F.B.A.-Type B, de flutuadores nas asas, que amararam pela primeira vez no amplo estuário do Minho nos últimos dias de agosto de 1919 para grande espanto e admiração dos caminhenses, de acordo com a imprensa do tempo:


"Hidro-aviões — No dia 20, estiveram nesta vila [de Caminha] os hidro-aviões da Base de Aveiro nºs 6 e 9, pilotados pelos aviadores 1ºs tenentes de Marinha srs. Santos Moreira e Pedro Rosado, trazendo, cada um, um chaufer-mecânico e o mecânico-chefe da base. Partiram de Aveiro às 11 horas e chegaram a Caminha às 12.45 h, tendo pairado em Viana durante uma hora em exercícios. O nº 6 partiu no mesmo dia e o 9 no dia seguinte, após uma visita a Seixas e várias evoluções sobre a vila (...). Os aviadores almoçaram em casa do ilustre lente da Universidade de Coimbra, exmº. Dr. Luciano [Pereira da] da Silva. Foi a primeira vez que Caminha viu aparelhos do género que, por conseguinte, despertaram grande sensação. É provável, porém, que breve cá os tenhamos novamente porque o Minho, um dos rios mais largos de Portugal, presta-se excelentemente para esse fim" (Correio do Minho, 24-8-1919).

 
Nos anos seguintes, os hidroaviões portugueses fizeram outras visitas ao estuário do Minho tendo nós identificado duas delas na imprensa da época, infelizmente sempre sem qualquer imagem a ilustrá-las. Em 1920 a novidade foram os recém-chegados Felixtone F.3 ingleses, do tipo que no ano seguinte Gago Coutinho e Sacadura Cabral pilotariam no raid Lisboa-Madeira: "Hidro-avião — No Sábado passado, amérrissou no nosso rio um hidro-avião da esquadrilha naval portuguesa que levantou voo no domingo, seguindo rumo sul. Este hidro-avião é um dos chegados ultimamente de Inglaterra" (Correio do Minho, 18-5-1920). No verão de 1921, foram três os hidroaviões vindos de S.Jacinto que aqui amararam, desta vez sinalizados em Viana do Castelo: "Hidro-aviões — Ante-ontem, pelas 11.30 h da manhã, passaram sobre esta cidade [Viana] três hidro-aviões da base naval de S.Jacinto (Aveiro), seguindo o rumo norte, com direcção a Caminha, onde fizeram amerrissage no majestoso rio Minho" (Correio do Minho, 11-8-1921).

Com este grau de familiaridade com a aviação naval portuguesa e os hidroaviões, não admira pois que a primeira travessia aérea do Atlântico sul levada a cabo em 1922 por Gago Coutinho e Sacadura Cabral — concluída a 17 de junho com a chegada ao Rio de Janeiro — tenha sido muito festejada em Caminha. O executivo municipal, ao mesmo tempo que enviava um telegrama de felicitações ao ministro da Marinha, mandou iluminar a fachada da Câmara (Ata da Comissão Executiva, 26-6-1922).


O feito dos aeronautas foi também celebrado pelo destacamento local da Armada — ainda no rescaldo do sidonismo e da traulitânia, era capitão do porto nessa altura o caminhense António da Silva Pais — com uma patriótica alocução à sua guarnição por parte do comandante da lancha-canhoneira "Rio Minho", o 1º tenente Fernando Teixeira Diniz: "Marinheiros — Tendo os heróicos aviadores portugueses, contra-almirante Gago Coutinho e capitão de fragata Sacadura Cabral concluído a última étape do glorioso raid que encheu de assombro o mundo inteiro e o qual veio demonstrar bem claramente que a Raça lusitana ainda vibra forte e é capaz de dar lições ao mundo pelo seu arrojo e ciência, este Comando, interpretando o sentir de toda a guarnição da lancha-canhoneira "Rio Minho" e em seu nome, levanta uma saudação aos gloriosos oficiais que tão alto souberam elevar o nome de Portugal, nossa querida Pátria. Mais uma vez a Marinha de Guerra Portuguesa, a que nos honramos de pertencer, continuando a obra dos nossos antepassados, colocou Portugal na vanguarda de todas as nações civilizadas, dando-lhe vitalidade e fazendo-o reviver como outrora. (...) Por isso, este Comando dá por cumpridos os castigos impostos às praças que servem sob as suas ordens, certo de que, de hoje para o futuro, não terá o desgosto de ter de aplicar a mais pequena pena disciplinar. Viva a Pátria! Viva a República!" (Correio do Minho, 28-6-1922). Uma inesperada amnistia, certamente bem recebida pelos marinheiros estacionados em Caminha, talvez à mistura com alguma dúvida dos mais experientes face às ilusões do ingénuo e entusiasmado jovem tenente.


Ainda com os ânimos nacionais exaltados pelo heróico cometimento de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a localização estratégica de Caminha na costa portuguesa e as especiais aptidões do estuário do Minho para os hidroaviões, terão estado na origem de um pedido oficial da Direcção-Geral de Aeronáutica Militar dirigido à Câmara sobre a "possibilidade de que seja estabelecido um campo de aterissagem neste concelho onde os aviões possam descansar", subentendendo-se que estariam em causa todo o tipo de aeronaves (Ata da Comissão Executiva, 15-7-1922).
 
Reforçando a intenção dos responsáveis pela aeronáutica nacional, poucos dias passados desloca-se ao município o próprio ministro da Marinha, o prestigiado oficial da Armada Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, que veio acompanhado pelos senadores Ramos Pereira e Raimundo Meira (Correio do Minho, 25-7-1922). Entusiasmada com a perspetiva de albergar no concelho um aeródromo, a comissão executiva da Câmara caminhense — liderada por João Pires da Gama Crespo — criou de imediato um grupo de missão com a incumbência de encontrar o melhor local possível para o hipotético campo de aviação que, de acordo com as indicações fornecidas, teria de ter "600 m de lado ou um círculo de 300 m de raio". Com pesar, constatou-se que o desejado Campo da Retorta (onde hoje se situa o Parque 25 de Abril) não tinha as medidas necessárias e, face à dificuldade em encontrar outro sítio plano, chegou-se ao ponto de aventar o... planalto de Santo Antão! (Atas da Comissão Executiva, 19-8 e 16-9-1922). Enfim, por falta de alternativas viáveis no acidentado território concelhio e, possivelmente, por desinteresse governamental, com o tempo a ideia foi caindo no esquecimento e não mais se voltou a falar da possibilidade de instalar um aeródromo em Caminha. Ao contrário, a imagem dos hidroaviões a amarar no estuário do Minho demorou a apagar-se do imaginário dos caminhenses, mais não seja porque tinha entrado no anedotário local.

A propósito da muito prometida mas sempre adiada obra de reparação da velha e quase intransitável ponte de madeira sobre o rio Coura, escrevia-se então na imprensa: "bom seria que esse concerto tivesse início o mais breve possível (...) ou então acabem com ela por uma vez e far-se-á a travessia do Coura em hidro-avião!" (Correio do Minho, 25-7-1922).


 
 
BIBLIOGRAFIA
Joaquim Duarte (1983). A Aviação Naval em Aveiro. In http://www.prof2000.pt/users/avcultur/aveidistrito/boletim31/page73.htm [consultado em 5-09-2013]; Robert Feuilloy (2010). Les débuts de l'Aviation maritime (1910-1918), In http://ardhan.pagesperso-orange.fr/almana/avia%20marit.htm [consultado em 5-09-2013]; Artigo Portuguese Naval Aviation, In http://en.wikipedia.org/wiki/Portuguese_Naval_Aviation [consultado em 5-09-2013]. Agradecemos ainda ao Joaquim Aldeia Gonçalves a cedência da fotografia dos canadair franceses no estuário do Minho no dia 3 de Setembro de 2013."
 
Fonte: http://www.caminha2000.com/jornal/n649/cmc3.html

P.S. De notar a referência à participação numa das missões dos mecânicos, no entanto, como sempre, a sua identificação não consta.

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