segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Voo 3304 A MORTE DE UMA CAMARADA.




Giselda Pessoa
2ºSargº.Enfª. Paraqª.
Lisboa





EM FEVEREIRO DE 1973

A preparação do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas" iniciou-se há já cerca de dois anos (!) e para o efeito todas nós fomos solicitadas a dar o nosso contributo, fornecendo à equipa coordenadora textos que focassem aspectos que considerássemos importantes da nossa passagem pelo Corpo de Enfermeiras Paraquedistas.
Assim fiz, enviando alguns textos revistos cuja versão original já tinha sido publicada em blogues (caso da Tabanca Grande, Tabanca do Centro e Especialistas da BA12), outros originais, escritos de propósito para o referido livro.
Naturalmente, como podem compreender, evitei utilizar até agora este material, não sabendo o que iria ser integrado definitivamente no nosso livro. Publicado este (o que sucedeu no final de Novembro), estou à vontade para avançar com a publicação de dois ou três textos que não chegaram a ser incluídos na obra. Este é um deles, um texto original escrito há dois anos, que só agora é publicado.
Giselda
A MORTE DE UMA CAMARADA

Tive um relacionamento próximo com a Enfermeira Celeste em dois períodos diferentes. Frequentámos ambas o mesmo curso de pára-quedismo e partilhávamos os nossos momentos de folia, misturados com algumas pequenas “patifarias” inocentes próprias da nossa juventude.
Separámo-nos momentaneamente após o curso – ela foi para Angola, depois para os Açores, eu segui para Moçambique e mais tarde para a Guiné. Foi aí que em 1972 a Celeste me foi encontrar novamente.
Guardo dela a imagem de uma boa profissional, brincalhona nos momentos certos e sempre boa camarada.


A sua morte ocorre no mesmo dia em que embarco para Lisboa acompanhando um grupo de evacuados. 
O pedido de evacuação surge à hora de almoço e a Celeste avança para o DO-27. Embora não fosse procedimento aprovado o avião já tinha o motor a trabalhar – o que aliás era usual, para diminuir o tempo até à descolagem. 
Nunca se poderá explicar o sucedido, mas o facto é que, depois de ter colocado o material de evacuação na parte traseira do avião, pela porta traseira do lado esquerdo, a Celeste decide passar por baixo do avião – entre o trem dianteiro e o motor (a rodar) – para ocupar o banco da frente (do lado direito) ao lado do piloto.
 Pensa-se que poderá ter tido uma desconcentração ou
uma falta de equilíbrio, tendo sido atingida pela hélice do DO, o que lhe provocou morte imediata. 
Sem saber do sucedido na Guiné eu tinha entretanto efectuado a minha ida para Lisboa acompanhando os evacuados e como era norma fui apresentar-me na Direcção do Serviço de Saúde, na Avª da Liberdade. Estranhamente o Director não me quis receber, tendo a sua secretária sugerido que eu fosse falar com a minha colega que estava ali colocada. Quando ela me viu, não conseguiu dizer nada, apenas se rindo com um riso esquisito. Quando eu lhe perguntava o que é que se passava continuava a rir-se, não conseguindo falar. Acabou por ser a secretária a informar-me da morte da Celeste. Saí dali meio em choque e apenas me lembro de ter chegado à beira do Tejo, bem longe do AT1 (Portela), onde pretendia dirigir-me para marcar a viagem de regresso à Guiné.
Novamente na Guiné, por mais que uma vez fui interpelada por pessoal que estava plenamente convencido de que eu é que tinha morrido naquele acidente. Isso terá sido devido também ao facto de eu ter arrancado para Lisboa nesse mesmo dia e deixar de ser vista na Base e nos locais onde normalmente me deslocava.

Deu-se o caso de, passados já uns meses, quando num Boeing da FAP regressava à Guiné após uma deslocação a Lisboa, ter sido solicitada para dar apoio a um dos militares assistentes de cabine que repentinamente se tinha sentido mal. 
Recuperado este, ainda pálido da emoção sentida, disse-me que pensava que o acidente tinha sido comigo e que ao longo de todos aqueles meses tinha ficado convencido (pelas conversas com outros) que eu tinha morrido naquele dia.
Como se deve calcular, o piloto envolvido neste acidente ficou bastante abalado com a ocorrência, tendo eu sentido a necessidade de, no dia-a-dia na Base e nos transportes para casa, lhe dar o apoio que sentia ser-lhe necessário, até porque percebemos que ele considerava haver da nossa parte um comportamento mais distanciado após o sucedido. Compreendíamos todas que uma situação como esta apenas sucede a quem lá anda e que era necessário ajudar o piloto a ultrapassar este trauma. Penso que tal foi conseguido pois o piloto em causa acabou por continuar a voar, cumprindo a sua comissão de serviço até ao fim.  

Giselda Pessoa

Sem comentários:

Enviar um comentário