Giselda Pessoa
2ºSargº.Enfª. Paraqª.
Lisboa
EM FEVEREIRO DE 1973
A preparação do livro "Nós,
Enfermeiras Paraquedistas" iniciou-se há já cerca de dois anos (!) e para
o efeito todas nós fomos solicitadas a dar o nosso contributo, fornecendo à
equipa coordenadora textos que focassem aspectos que considerássemos importantes
da nossa passagem pelo Corpo de Enfermeiras Paraquedistas.
Assim fiz, enviando alguns textos
revistos cuja versão original já tinha sido publicada em blogues (caso da
Tabanca Grande, Tabanca do Centro e Especialistas da BA12), outros originais,
escritos de propósito para o referido livro.
Naturalmente, como podem compreender,
evitei utilizar até agora este material, não sabendo o que iria ser integrado
definitivamente no nosso livro. Publicado este (o que sucedeu no final de
Novembro), estou à vontade para avançar com a publicação de dois ou três textos
que não chegaram a ser incluídos na obra. Este é um deles, um texto original
escrito há dois anos, que só agora é publicado.
Giselda
A MORTE DE UMA
CAMARADA
Tive um relacionamento próximo com a
Enfermeira Celeste em dois períodos diferentes. Frequentámos ambas o mesmo
curso de pára-quedismo e partilhávamos os nossos momentos de folia, misturados
com algumas pequenas “patifarias” inocentes próprias da nossa juventude.
Separámo-nos momentaneamente após o
curso – ela foi para Angola, depois para os Açores, eu segui para Moçambique e
mais tarde para a Guiné. Foi aí que em 1972 a Celeste me foi encontrar
novamente.
Guardo dela a imagem de uma boa
profissional, brincalhona nos momentos certos e sempre boa camarada.
A sua morte ocorre no mesmo dia em que
embarco para Lisboa acompanhando um grupo de evacuados.
O pedido de evacuação surge à hora de
almoço e a Celeste avança para o DO-27. Embora não fosse procedimento aprovado
o avião já tinha o motor a trabalhar – o que aliás era usual, para diminuir o
tempo até à descolagem.
Nunca se poderá explicar o sucedido, mas
o facto é que, depois de ter colocado o material de evacuação na parte traseira
do avião, pela porta traseira do lado esquerdo, a Celeste decide passar por baixo
do avião – entre o trem dianteiro e o motor (a rodar) – para ocupar o banco da
frente (do lado direito) ao lado do piloto.
Pensa-se que poderá ter tido uma
desconcentração ou
uma falta de equilíbrio, tendo sido atingida pela hélice do
DO, o que lhe provocou morte imediata.
Sem saber do sucedido na Guiné eu tinha
entretanto efectuado a minha ida para Lisboa acompanhando os evacuados e como
era norma fui apresentar-me na Direcção do Serviço de Saúde, na Avª da
Liberdade. Estranhamente o Director não me quis receber, tendo a sua secretária
sugerido que eu fosse falar com a minha colega que estava ali colocada. Quando
ela me viu, não conseguiu dizer nada, apenas se rindo com um riso esquisito.
Quando eu lhe perguntava o que é que se passava continuava a rir-se, não
conseguindo falar. Acabou por ser a secretária a informar-me da morte da
Celeste. Saí dali meio em choque e apenas me lembro de ter chegado à beira do
Tejo, bem longe do AT1 (Portela), onde pretendia dirigir-me para marcar a
viagem de regresso à Guiné.
Novamente na Guiné, por mais que uma vez
fui interpelada por pessoal que estava plenamente convencido de que eu é que
tinha morrido naquele acidente. Isso terá sido devido também ao facto de eu ter
arrancado para Lisboa nesse mesmo dia e deixar de ser vista na Base e nos
locais onde normalmente me deslocava.
Deu-se o caso de, passados já uns meses,
quando num Boeing da FAP regressava à Guiné após uma deslocação a Lisboa, ter
sido solicitada para dar apoio a um dos militares assistentes de cabine que
repentinamente se tinha sentido mal.
Recuperado este, ainda pálido da emoção
sentida, disse-me que pensava que o acidente tinha sido comigo e que ao longo
de todos aqueles meses tinha ficado convencido (pelas conversas com outros) que
eu tinha morrido naquele dia.
Como se deve calcular, o piloto
envolvido neste acidente ficou bastante abalado com a ocorrência, tendo eu
sentido a necessidade de, no dia-a-dia na Base e nos transportes para casa, lhe
dar o apoio que sentia ser-lhe necessário, até porque percebemos que ele
considerava haver da nossa parte um comportamento mais distanciado após o
sucedido. Compreendíamos todas que uma situação como esta apenas sucede a quem
lá anda e que era necessário ajudar o piloto a ultrapassar este trauma. Penso
que tal foi conseguido pois o piloto em causa acabou por continuar a voar,
cumprindo a sua comissão de serviço até ao fim.
Giselda Pessoa