Miguel Pessoa
Cor.Pilav.
Lisboa
Cor.Pilav.
Lisboa
Partida para a missão
O mecânico acompanha-me enquanto faço
a inspecção de 360º ao Fiat G-91 estacionado na placa, na BA12. Sinto a
ansiedade habitual nos últimos voos. Também não admira - quando sabemos que
vamos encontrar fogo de anti-aérea e possíveis Strela, é natural que fiquemos
preocupados. Como tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago
enquanto continuo a inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de
vomitar mas nada sai. Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e
ninguém gosta de dar parte de fraco ao pé dos outros.
Mas os antecedentes não ajudam muito... Já "fui ao charco" uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser "apanhado à mão", por isso é natural que esteja preocupado.
Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker(*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.
Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais. Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.
O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no "cockpit" - controlo um último espasmo e enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou. Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o "check-list" para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da "canopy"(**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.
Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao
mecânico que me deu a saída. Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.
Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no "briefing" antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior.
Os "Tigres" da Esq. 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...
Mas os antecedentes não ajudam muito... Já "fui ao charco" uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser "apanhado à mão", por isso é natural que esteja preocupado.
Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker(*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.
Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais. Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.
O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no "cockpit" - controlo um último espasmo e enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou. Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o "check-list" para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da "canopy"(**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.
Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao
mecânico que me deu a saída. Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.
Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no "briefing" antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior.
Os "Tigres" da Esq. 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...
Miguel Pessoa
(*)
Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4
(**)
Cobertura da cabina
VB: Ó Miguel, pelo que vejo, também fizeste o teu"Diário da Guiné"?!... Que dia ou págª.é esta?
Pois estas tuas passagens já as não vivi na Guiné visto ter terminado a minha comissão primeiro que tu (Piu-Piu), mas recordo outras que nunca mais me vão sair da memória. Sabes bem ao que me refiro, e os nossos companheiros também, pois já o frisei neste espaço, o teu acidente.
Lidar contigo é um privilégio que nem todos têm!
Eu fui e continuo a ser um privilegiado.
Obrigado, Companheiro!
O título diz “Um dia rotineiro...”, no entanto, o texto revela um pouco e eu tento imaginar o que possa ter sido o retorno a estas situações de alto stress depois de ter sido abatido por um míssel Strella. O Coronel (Tenente) Miguel Pessoa fez questão de regressar e de novo acompanhar os restantes camaradas de missão.
ResponderEliminarSem mais comentários.
Um abraço,
João Carlos Silva
Eu também sou um privilegiado por poder contactar e ser amigo do nosso heróico Corn. Miguel Pessoa, este relato e a maneira como é feita a discrição, de quem já tinha tido a má experiência de ser traiçoeiramente abatido por um míssil strella, digo traiçoeiramente pois era uma arma desconhecida no terreno, ninguém contava com ela, e depois de muitos estragos não havia uma solução viável para a combater, dai o receio de ir para o ar, vários foram os mecânicos
ResponderEliminarque viram sair um avião mas não o viram regressar, eram e são o ultimo contacto com o Piloto.
Um Abraço.
Paulo Moreno