sexta-feira, 19 de julho de 2013

Voo 2845 A MINHA INICIAÇÃO NA PILOTAGEM (FERNANDO MOUTINHO)





Fernando Moutinho
Cap.Pil.Av.
Alhandra




Victor, vou tentar satisfazer a tua “pretensão” mas, espero que só utilizes o que te parecer necessário. Não tenhas pejo em o fazer…

Começo por dizer que o meu curso foi uma mistura de 2 soluções.
Os Cursos anteriores ao meu (até Out de 1950), os candidatos a pilotos tinham de frequentar o Curso de Mecânicos de Avião e no fim deste (6 meses) eram promovidos a 1º Cabos e iniciavam a instrução de pilotagem. Os Cursos posteriores ao meu, os candidatos a piloto iniciavam quase de imediato o Curso de Pilotagem.
E, o meu? Foi uma mistura, isto é: também iniciamos com os futuros mecânicos mas, as aulas práticas de motores e oficinas, foram substituídas por Meteorologia e Navegação durante 3 meses. Passado este tempo, mantendo-nos como Praças, iniciávamos a Pilotagem que durou 9 meses tendo terminado o Curso em 20 de Dezembro de 1952, ainda como Praças. A promoção a 1º Cabo Piloto apareceu nos primeiros dias de Janeiro.
Isto criou um facto insólito – pilotos Praças

O meu Curso também foi influenciado, muito fortemente, pela chegada de pilotos formados nos Estados Unidos que, com a sua formação actualizada, incutiram nos novatos, métodos de trabalho mais eficazes. Estou seguro ao afirmar que lhes devo em grande parte, o desfiar da minha carreira aeronáutica.
Aqui lhes presto as minhas homenagens.
Quanto ao Curso propriamente dito posso dividi-lo em 3 fases.
Na 1ª Fase – Teoria sobre Motores e respectiva mecânica, Aviões  e Aerodinâmica, Meteorologia, Navegação, Paraquedas (aprendemos a dobrar paraquedas) para além da velha ginástica o Ordem Unida e… ver os aviões, passando-lhes a mão pelo “pêlo”
Na 2ª Fase deixamos umas cadeiras por outras. Exemplo: Morse, Tiro de Avião, etc.
Não queria ser fastidioso porque julgo que a parte substancial, a dos aviões sai a seguir mas, com factos pessoais.
Passar das teorias à prática começando a voar…
Tiger Moth, onde efectuei o 1º voo em 9 de Janeiro de 1952, tendo executado, até o último voo, em 30 de Maio, 68:30 horas. Foi um avião muito interessante que deixou saudades e, por ser rudimentar, incutiu-nos desembaraço.
Seguiu-se o T-6 em 3 de Junho até final do Curso. Por circunstâncias várias tive 3 instrutores mas, um deles preparou-me muito bem em Voo por Instrumentos o que me foi muito útil.
Em 3 de Setembro o 1º voo em Hurricane, tendo efectuado 22:10 horas.
O que dizer? Simplesmente, um sonho voar em máquina tão célebre e prestigiante.
Eis um texto que foi publicado na Revista Srius


1º Voo de Hurricane 
Diga-se, antes de mais, que fiz o meu "baptismo de voo" em 9 de Janeiro de 1952, num Tiger Moth com a matrícula 139, voei de seguida num avião denominado T-6 Harvard, o nº 1613, no dia 3 de Junho do mesmo ano e, finalmente, a 3 de Setembro efectuei o 1º voo no Hurricane nº 600.
Naquele tempo, as coisas não eram feitas com o rigor e o profissionalismo de hoje, eram o paradigma do "desenrascanço". Assim, deram-me umas páginas de papel, cópias de stencil, com uma breve descrição do avião mas, nada ou quase nada sobre o comportamento do mesmo.
Falava na velocidade de perda com trem e flaps em baixo e com o avião limpo e, ainda, nos limites do motor com algumas referências a regimes de cruzeiro e subida, etc.
Na véspera do voo, um instrutor levou-me a sentar no cockpit e indicou-me como fazer um arranque, como funcionava a alavanca do trem e dos flaps (era a mesma), dos travões (pneumáticos), rádio e outros conselhos. Depois, disse-me para continuar sentado a relembrar as explicações e memorizar o cockpit.
Dia seguinte, o primeiro voo.
Pela primeira vez coloquei o "mae-west" (colete salva -vidas), paraquedas, o passe-montanha com os óculos facetados e a máscara de oxigénio. Novidades estas que, associadas ao acionamento do comando da rádio (uma pequena patilha na frente da máscara)com a cabine tipo vidros de janela, deram-me uma sensação de estranheza e irrealismo que se acentuou quando, após o ”pôr em marcha”, teria de fazer uma rápida rolagem, de acordo com as recomendações, para evitar o perigo de aquecimento do glicol do sistema de refrigeração do motor.
Lá fui até ao princípio da faixa, obtive autorização da Torre, alinhei, destravei, acelerei o motor, mantendo a direcção e, …no ar. Como? Não sei! Motor para a frente, olhos na velocidade, tirar o avião do chão, recolher o trem e flaps, foi já uma acção automatizada. Já no ar, seguindo as recomendações, reduzi um pouco o motor e observando a velocidade, comecei a subir. Num ápice, tinha atingido 16.000 pés. Foi quando comecei a tomar consciência do se que se estava a passar. Nunca tinha estado tão alto.
Reduzi o motor, respirei fundo várias vezes e, após apreciar um pouco o que me rodeava, que fazer? Principal preocupação, teria de aterrar. Mas, antes, precisava de fazer algumas manobras para sentir o avião, incluindo perdas e manobras para ajudar a “compreender” a máquina.
Entretanto fui descendo para 12.000 pés circulando sobre a Base pois não queria perder o campo de vista, iniciei várias manobras para experimentar os comandos, reacção do motor e as referidas perdas para sentir confiança na aterragem. As primeiras sensações foram de admiração por ter nas mãos um avião tão dócil mas ao mesmo tempo com garra. Aquele motor era uma maravilha. Que belo ronronar!
Por fim, tive de me deixar de devaneios e pensar em aterrar. Assim o fiz. Não me perguntem, como? Correu tudo muito bem. Sinceramente, só dei por mim a tocar o solo e a preocupar-me em manter a direcção, em virtude da dificuldade em se ver para a frente (não esquecer que tinha roda de cauda). Rolagem rápida. Estacionamento e, um acordar maravilhado pelo que tinha vivido. Tinham passado 40 minutos.
Foi a prova mais complexa de toda a minha vida de piloto. Ficou-me bem gravada mas, valeu a pena! Bons tempos! Os voos seguintes foram para gozar o prazer de voar numa máquina fabulosa.
Não me considero herói. A prova é que não fui só eu que passou esse teste, todos os outros meus colegas de curso e muitos outros o passaram.Total de voo efectuado: 22:10 horas


Curso de Pilotagem terminado e brevetado em fins de Dezembro de 1952 e promovido a 1º Cabo.
Nos primeiros dias de Janeiro de 1953 fui colocado na B.A.2 – Ota, na Esquadra 10, onde voei no F-47D Thunderbolt.
Depois… T-33, F-84G, F-86, etc…

Um grande abraço

Moutinho

Voos de Ligação:
Voo 2844 Um convite do comando 

4 comentários:

  1. Bom Dia Fernando.
    Primeiro que tudo agradecer a colaboração prestada ao nosso “alerta”
    Depois dizer que na realidade é um privilégio e uma mais valia para o enriquecimento histórico da nossa Base, receber este “voo” redigido por um contemporâneo, grande MESTRE da nossa aeronáutica.
    A humildade e respeito que este “cabo piloto”, que integrou a 1ª Esquadra dos lendários Falcões, fundada em 4 de Fevereiro de 1958,cujo seu comandante foi o nosso saudoso Cap.Pilav. Gualdino Moura Pinto, que infelizmente já partiu para o seu último voo, nos dedica é simplesmente cativante.
    Amou a SUA Força Aérea, poderia e merecia ostentar nos seus ombros estrelas, mas preferiu ficar pelos três galões e olhar, todos aqueles que com ele colaboraram na sua actividade militar, olhos nos olhos.
    Obrigado MESTRE por nos ter elaborado e deixado os livros que lemos e nos ajudaram a ser HOMENS.
    Um abraço.
    Victor Barata

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  2. Amigo Moutinho
    Sem duvida que é motivo de orgulho poder contar consigo como amigo.
    Estas histórias verdadeiras fazem encher o ego de qualquer um que tenha servido a nossa Força Aérea.
    Simplesmente sublime. Que mais poderei dizer que me deliciei mais uma vez ao ler tão brilhante percurso na aviação, com homens assim vale a pena o tempo utilizado.
    Um abraço de muita amizade
    J. Gomes

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  3. Caro Fernando Moutinho,
    Obrigado pelo seu testemunho do início de um percurso brilhante na "nossa" FAP.
    Temas que polvilham a minha imaginação sobre os nosso precursores que desbravaram o caminho e que inspiraram e honram quem serviu na FAP.
    Um abraço,
    João Carlos Silva

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  4. Simplesmente... delicioso e fascinante, ler este trajecto na FAP, ainda eu era um menino de pouco mais de 1 ano.
    Amigo Moutinho, que prazer tenho em conhecer um Homem que tendo sido pioneiro com tão grande grau de sucesso, continue a ser uma pessoa humilde que faz com que nos sintamos gratos e ansiosos pela sua companhia.
    Obrigado por estas linhas que me fizeram compreender melhor a história da nossa FAP.
    Um abraço,

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