domingo, 25 de março de 2012

Voo 2778 LUZ DO OLÉO,F-86..




Gabriel Cavaleiro
1º Sargº.Pil.Av.
Olhão 




Luz do óleo, F-86F




Os primeiros voos em F-86, na Esquadra 51 em Monte Real, eram sempre uma experiência vibrante. Todos queriam cumprir à risca a exigente disciplina e estar à altura do que era esperado de todos nós. Afinal tínhamos a sorte, mas também o mérito, de voar o avião no topo da hierarquia de todos os da Força Aérea Portuguesa.
Um avião monolugar para o qual não havia simulador. Era entrar e fazer o primeiro voo consciente de que poderia ser o último. Mas na nossa Força Aérea nunca aconteceu…
E numa esquadra em que havia Oficiais da Academia Militar, de Majores (o nosso Comandante de Esquadra) a Alferes (estes, obviamente, ainda sem experiência) Sargentos-ajudantes e 1ºs Sargentos (muito, muito experientes) e Furriéis (a caminho de virem a ter alguma experiência…) as saudáveis rivalidades nunca chocavam com as competências de uns e os deslizes dos outros.
Deslizes, deslizes, todos tínhamos. Mas pagávamos por isso. Em multas. Em escudos depositadas num mealheiro que era aberto ao fim do mês para ajuda de jantares.Indescritíveisjantares onde valia tudo. Por vezes a convite de Administrações de Caves de vinhos, cujas primeiras vítimas eram eles mesmos. Mas a amizade era assim cimentada. Tempos de guerra, de quem já lá tinha estado ou para lá caminhava ou voltava. Amizades destas perduram toda a vida. Quase 50 anos depois as relações estão intactas!
O Comandante da Base, Coronel Soares de Moura, promovido a Tenente Coronel e a Coronel por distinção, era também um digno aviador, coisa que nem sempre acontecia…
No caso dos Furriéis, Ary, Leite da Silva e eu, estas questões não se punham em termos de rivalidades mas sim num feroz combate ao erro, à indisciplina, ao facilitismo. Éramos muito críticos uns dos outros. E como vivíamos numa casa que alugámos no meio da vila de Monte Real, era fácil este lavar de roupa suja só entre nós, normalmente depois do jantar, de modo a que no dia seguinte as coisas voltassem ao rigor que nos impúnhamos. A nossa grande amizade (que perdura e perdurará sempre, afinal ambos são meus Padrinhos de Casamento…) nunca deixou nenhum de nós os três para trás.


Legenda:Ary, Leite da Silva e eu.
Foto: Gabriel Cavaleiro (direitos reservados)

 Além disso tínhamos os Sargentões todos à perna! Ai de nós se algum fugia um milímetro da linha…
Aquela Base Aérea foi a minha maior escola de vida.
Muita camaradagem mas só para quem cumpria. Era preciso ser o melhor, ou pelo menos demonstrar que se lutava para isso.
E quando se subia para o avião, naqueles dois passos mágicos, sem escada, caia-nos subitamente em cima todo o rigor necessário para a execução rápida dos procedimentos. Otimming era para cumprir, os procedimentos para executar à risca mas a segurança não era para desprezar.
Quando o Comandante da Esquadrilha (4 aviões que iriam voar juntos) estivesse pronto, os outros três aviadores dentro dos seus aviões já deviam estar à espera do sinal para deixar o estacionamento rumo à pista.
Nos primeiros voos era uma terrível azáfama para fazer tudo bem e no tempo certo.
E quando uma contrariedade acontecia era como se o mundo estivesse prestes a acabar. Principalmente se era fruto de algo errado que tivéssemos feito.
Quando tal acontecia, com os segundos a passar aos dois e três de cada vez, havia que voltar a verificar muito rapidamente os procedimentos todos de novo antes de declarar a nossa incapacidade em prosseguir a missão.
Situação delicada… fui eu que meti os pés ou isto está mesmo a acontecer!?
Num dia assim, um aviador dos menos experientes mas muito dedicado e competente descobre que tem uma luz acesa, quando já estavam todos prontos para sair da placa de estacionamento com os reactores a rugir e o chefe já tentava perceber o que se passava sem querer apressar o novato.
A luz, mais brilhante que o Sol, como lhe parecia naquele aperto, mesmo no meio do painel de instrumentos, faiscante à frente dos seus olhos era amarela e dizia: “Low Oil Pressure”.
Avaria grave, quando se sabe que os motores precisam de óleo para suavizar o atrito entre as partes que se movem a grande velocidade. Sem óleo um motor está condenado.
E aquele voo também parecia estar condenado, logo à partida. É preciso ter azar… e agir com rapidez! O motor pode gripar, como o de qualquer corta relva…
Enfim, um grave impedimento para a execução do voo a pedir a intervenção pronta da Manutenção, ainda por cima agora que já estão todos os reactores a trabalhar o que impede uma circulação livre à volta dos aviões pelo perigo de alguém ser sugado ao passar em frente deles.
O nosso aviador aprendiz faz sinal ao Cabo Mecânico que sobe lá acima e, inteirado do problema, estudada a situação rapidamente, considera-se também incapaz de dar andamento ao problema e vai chamar o chefe da Linha da Frente, sempre a andar por ali a supervisionar as coisas.
Luz do óleo do motor, acesa? Coisa estranha e pouco comum… Vamos lá ver o que se passa.




O nosso 1º Sargento Mecânico, daqueles homens que todos nós, pilotos, conhecemos, profundamente conhecedores dos aviões que têm a seu cargo, sábios também na maneira de lidar com aviadores a cheirar ainda a pó de talco, ou mesmo dos outros a cheirar a Gitanes sem filtro e dentes amarelos, dirige-se rapidamente ao avião e sobe.
- Então, o que se passa?
O stressado aviador, estica o braço e com um dedo aponta, infeliz, para a ofuscante luz amarela.
- A luz do óleo! A luz do óleo!
Mas ninguém o consegue ouvir.
Com o barulho dos reactores e de capacete na cabeça, o diálogo não é fácil. Mas lá se entendem.
O nosso muito competente 1º Sargento, chefe da Linha da Frente, o barulho de todos aqueles reactores a entrarem-lhe pelos ouvidos, dá uma rápida olhada a todos os instrumentos do cockpit, analisa a situação e embora habituado a algumas asneiras naturais em novatos, é com alguma bonomia e muito espanto, mas com um sorriso que qualquer Pai faria em situação semelhante, que dá uma pequena palmada no ombro do aviador e diz-lhe bem alto, tão alto que ele ainda hoje deve ouvi:
- Porque é que não experimenta a por o reactor a trabalhar!?
Para quem não está dentro destes assuntos, aquela luz só acende quando, estando o reactor a trabalhar, falha a circulação do óleo pelo motor.
Ou, como neste caso, com o reactor ainda parado… á espera que alguém lhe tivesse ligasse a ignição, como já devia ter feito…
Este muito jovem Top Gun era muito divertido, muito bom camarada, excelente
piloto com uma sólida formação, foi mais tarde Comandante da Esquadra.

Vitinho, um abraço!

Origem do Voo:
Blog Rio dos Bonsinais


VB: Caro Gabriel, mais uma bela história, aliás, ao que já nos habituaste.
De facto havia uma linha da frente muito profissional, não só os sargentos como os cabos. Existia uma ligação piloto/mecânico muito familiar, o que motivava uma reciproca confiança e grande camaradagem. Obviamente que, como em todas as situações destas, existiam sempre aqueles que, ainda hoje, nos olhavam por cima, apenas e só valorizando o trabalho dos mecânicos a “flor” os apertava. Também fazem parte da nossa vida.