quarta-feira, 31 de março de 2010

VOO 1570 "OBRAS" NA MINHA CAMARATA



Victor Sotero Cavaleiro
Esp.EABT
Damaia


Meu Comandante:
As minhas saudações Aeronáuticas à "Linha da Frente" e a todos os "ZÉS ESPECIAIS"

Tinha que fazer "obras" na minha camarata!
A Secção de Pessoal do A.B.3, ou qualquer outro serviço, para manter o nivel de um qualquer artigo, normalmente, requisitava a quantidade que ia abater, em virtude do mesmo não se encontrar em condições de utilização.
Este, era o principio de qualquer serviço ou secção que quizesse manter os niveis de algum material considerado essencial.
- Neste caso, tratava-se de lençois.
Combinado com o quarteleiro, um rapaz do S/G, este "safou-me" uma dúzia de lençóis ainda em condições razoáveis de utilização e directamentre foram para dentro do meu armário.
Os outros, considerados em condições de não utilização, foram entregues na Esquadrilha de Abastecimento. Serviam estes, quando completamente feitos em trapos, para panos de limpeza que normalmente eram utilizados na Manutenção ou na Secção de Material Terrestre.
Pedi ao "ZÉ" M.M.A., Tavares, que me arranjasse, na Manutenção, alguns metros de arame de frenar.
Por mim, na minha área, consegui algumas anilhas de ferro e vai de as "pregar" com linha, aos topos de cada lençol.
Com o arame de frenar bem esticado no tecto da camarata, vai de começar a enfiar as anilhas que faziam suspender os lençóis no sentido longitudinal. Pelo meio das camas fiz tambem esticar arame e mais lençóis ficavam suspensos.
Perfeito! Dáva-nos uma certa privacidade, mas éra preciso "melhorar" um pouco mais estas "cortinas."
Com a ajuda dos "ZÉS", cada um, começa a arranjar latas de tinta que conseguiram dos diversos serviços e vai de começar a fazer pinturas, mais ou menos com motivos africanos nos lençóis.
-Estava engraçada, aquela parte da camarata! De manhã, havia que "encolher" as "cortinas" e encostá-las muito bem à parede. De tarde, no final da sessão de trabalho, lá se "armavam" as divisões.
-O plantão sabia de quem tinha partido a ideia.
Um dia, nas revistas aos alojamentos, o Primeiro Sargento Heitor, tendo ficado surpreendido, quiz saber quem tinha sido o autor daquela "invenção". Claro que o plantão, atirou logo com o meu nome para a frente. Da parte da tarde desse mesmo dia, sou chamado para ir à Secção de Pessoal.
Pensei logo que ia haver "bronca", mas não.
Foram-me feitas algumas perguntas pelo 1º Sar. Heitor às quais fui respondendo, mas de pé atrás.
No final, quando eu pensava que tinha que destruir tudo, o Sargento Heitor, aperta-me a mão e diz:
-Parabéns. Estão uns lençóis muito bem pintados. Por mim, desde que durante as revistas os lençóis estejam sempre bem disfarçados não há problema nenhum.
Não sei quem ocupou a minha cama aquando da minha vinda para a Metropole, mas sei que os lençóis continuaram por lá.
Legenda: Sotero na sua camarata
Foto: Sotero Cavaleiro (direitos reservados)

Meu Comandante,
As minhas saudações Aeronauticas
Sotero
JC: Viva Sotero, arranjava-se o espaço o melhor que se podia, enquadrado por umas belas fotos e o fantástico sistema "hi-fi". Para grandes males, grandes remédios.

VOO 1569 SÓZINHO NO MEIO DE TANTA GENTE.



António Loureiro

Fur.Polícia Aérea
Figueira da Foz




QUERO DESEJAR A TODOS OS ZÉS E SUAS RESPECTIVAS FAMÍLIAS, UMA SANTA QUADRA PASCAL.

O1- Esta semana fui a Coimbra e como quase sempre, fui ao Cemitério da Conchada pôr umas flores ao meu defunto irmão e fazer alguns momentos de reflexão.
Porque por razões fisiológicas não posso apanhar sol na carola, fico constipado, tratei de fazer o trajecto junto à parede Sul para me proteger.Por ironia do destino, é precisamente naquela parede que se encontram pequenas urnas com os restos mortais de variadíssimas pessoas, para mim desconhecidas.
Como a curiosidade às vezes também atrapalha, foi precisamente o que me aconteceu, quando dei com os olhos na fotografia de numa de um jovem militar falecido na guerra do Ultramar.
Como não podia deixar de ser, parei em respeito por aquele camarada que caiu em defesa do solo Pátrio, fazendo quase que instantaneamente, um rebobinar da fita temporal gravada no meu subconsciente, transportado-me aos anos da nossa juventude irreverente mas corajosa.

Legenda:Cemitério da Conchada,Coimbra.
Foto de Arquivo

Qual não é o meu espanto, porque passei a ficar mais atento, reparo noutro e outro e mais outro e mais uma série deles que, para mal dos seus pecados, tiveram o mesmo triste destino e assim, não teem a possibilidade de fazer o dito rebobinamento.
Porque com a idade ficamos mais "piegas", as lágrimas acabaram por tomar conta dos olhos e comecei a sentir um nó na garganta e uma estranha sensação de desconforto, misturado com uma revolta interior que me tolhia a capacidade de andar, ao ponto de nem responder aos chamamentos da minha mulher que, como todas, de imediato se apercebeu que algo de desagradável se estava a passar comigo, (eu tive uma grave depressão há não muitos anos).
Logo que me senti com o mínimo de capacidades físicas, retirei-me daquele local com o coração despedaçado, não pela morte daqueles que, como nós, conheceram o odor da terra quente, mas pela falta de consideração e respeito que um punhado de "portugueses" movidos por razões que a razão desconhece, em determinada altura, arvorando-se em representantes legítimos cuja legitimidade não lhes tinha sido dada, ressaibiados pelo insucesso dos primórdios dos anos sessenta, logo que lhes "cheirou" a possibilidade de concluirem o projecto interrompido, sem a dignidade que um assunto de tamanha importância e melindre exigia, chamaram a si a responsabilidade de o resolver, não com sentido patriótico, mas sim como um ajuste de contas com o passado, metendo despodoramente os pés pelas mãos.
Estou-me nas tintas para a evocação das justificações para o injustificável, bem como para o argumento mais do que esfarrapado, das ditas pressões internacionais porque tudo isso, como dizem os brasileiros, é conversa mole para adormecer boi.Uma coisa sabemos nós, é que a maior parte desses "senhores", com as suas habilidades, passaram a viver à grande e à francesa, não mais fazendo do que um blá, blá, blá sentados à manjedoura de um Estado injusto, sorvendo os parcos recursos que outros sabe-se lá com que sacrifícios, vão conseguindo criar, tais sanguessugas em forma de gente.
Como a mentira é muito linda enquanto a verdade não chega, aos poucos, lá vão caindo dos seus "altares sagrados" forrados a ouro, a que nunca deviam ter tido acesso.Tais iluminados, cada vez mais subtil e desenvergonhadamente, tudo fazem para nos passar por trouxas, desvalorizando a todo o custo o esforço feito por toda uma juventude que, galhardamente, cumpriram de forma exemplar a sua missão.
Hoje, mais maduros, podemos e devemos pôr a questão:
Será que não tínhamos condições para fazer melhor? Pior, certamente era impossível.

O2-Ao ler a mensagem do voo 1563 sobre a aventura do nosso grande camarada Miguel Pessoa, bravo piloto que, mesmo com a inoperacionalidade da sua aeronave causada pelo fogo inimigo soube desenvencilhar-se de uma situação deveras difícil, pondo em prática os procedimentos de emergência que lhes tinham sido ministrados pela Escola que, de maneira sustentada, nos formatou e nos deixa cada vez mais orgulhosos por termos tido o privilégio de ter pertencido à gloriosa Força Aérea Portuguesa.

Legenda: Dia 26 de Março de 1973,depois de localizado na mata após ter sido "abonado",o Miguel é evacuado de helicóptero para a Base Aérea 12,para de imediato seguir para o Hospital Militar de Bissau.Na imagem pode ver-se a sua chegada à base,transportado em maca pela enfermeira Giselda, que é hoje a sua mulher,e da Esqª./Dirª. Crespo,o fotografo e o companheiro que está em tronco nú,não me lembro o nome,o outro é o Maurício. Repare-se no utensílio que o Miguel transporta,uma garrafa de espumante!
Foto:Miguel Pessoa

O seu casamento com uma mulher do "calibre" da Enfermeira Paraquedista Giselda, também amante do AR, tinha e tem tudo para dar certo, foi a cereja sobre o bolo, que Deus vos dê toda a felicidade que merecem.
Também a manifestação de carinho demonstrada por toda aquela grande família dos ZÉS, foi mais do que merecida, e podes acreditar que passaste a fazer parte da minha galeria de heróis.

O3-Não chego aos calcanhares do Marcelino, mas também tenho das "boas", tiveste 1 dia e eu estive 8, talvez um dia também tenha coragem para publicar o que já escrevi sobre isso.
Mas como há sempre uma parte ruim nestas coisas, é bom que não fiquemos acéfalos e não nos esqueçamos do grande Marcelino da Mata, a quem de maneira respeitosa me vergo, pelo seu carácter guerreiro, coragem e abnegação, soube demonstrar de maneira inequívoca que, para além de Guineu, também sabia que era e é português de corpo inteiro, a quem Portugal muito deve pelo seu exemplo de lealdade.
Apesar do seu passado heróico, não lhe queria estar na pele, não que tenha feito algo de errado mas porque, também ele, como muitos outros, fruto dos tais "iluminados" a quem antes me referi, assobiando e olhando para o lado, foram os responsáveis pelo "abate" indiscriminado de muitos dos seus nobres guerreiros que tinham nascido sob a soberania da Bandeira das Quinas.

Alguém escreveu:
HAVEMOS DE CHORAR OS MORTOS SE OS VIVOS OS NÃO MERECEREM.
Infelizmente, mais próximo do que muitos imaginam, muitas lágrimas ainda vão correr.
Como ironicamente dizia o 1º.Sarg. Gato (mais tarde Cap.) alentejano de gema, desditosa Pátria que tais filhos tem. (filhos digo eu, para ser simpático, porque o que ele chamava era muito mais acutilante e mordaz)
1 abração

terça-feira, 30 de março de 2010

VOO 1568 FIQUEI SENSIBILIZADO.


Fernando Moutinho
Cap.Pil. (Refº.)
Alhandra

Boa noite amigo Barata

Não tenho a honra de conhecer Miguel Pessoa mas, a descrição da sua aventura nas matas da Guiné deixou-me muito sensibilizado. Passei por 3 momentos aflitivos durante a minha vida aeronáutica mas, nunca passei pela angústia de estar na mata, ferido, sempre à espera do pior e...do melhor - o aparecimento do socorro com o regresso ao seio dos amigos.
Foi um belo final.
Um abraço

Fernando Moutinho

VB:Olá Amigo Moutinho.
Falar do Miguel em relação a este assunto,é para mim um pouco difícil.
No entanto quero dizer-te que vale a pena conhecer e falar com este nosso companheiro,a alegria que transpira das suas palavras e expressões,é contagiante.Será para mim uma grande alegria saber de um futuro encontro entre vós.


VOO 1567 PÁSCOA FELIZ:





Arlindo Piriscas

2ºSargº MMA

Feijó




Nesta Quadra cheia de simbolismo, em que os Cristãos celebram a Ressurreição de Jesus Cristo,eu através da nossa tripulação nomeadamente na pessoa do nosso Comandante Victor Barata, independentemente da crença de cada um de vós,


desejo uma Páscoa Feliz repleta de amizade e amor pelo próximo, para todos os Zés e seus Familiares.
Arlindo Pereira - Piriscas

VOO 1566 QUEM SE LEMBRA DA FAZENDA LIBERATO?



Américo Silva
Esp.MARME "Lobo Mau" (Héli-Canhão)
Angola



FAZENDA LIBERATO - ANGOLA

Legenda:Carta Rodoviária de Angola – Edição de 1974 da J.A.E.A.
Foto:
Américo Dimas(direitos reservados)

Nesta carta rodoviária (parcial), podem-se ver as localizações assinaladas, da Fazenda Liberato (à esquerda em abaixo) e Negage (lado direito), para além do Toto (mais acima).


É precisamente na Fazenda Liberato, onde muitos “especialistas” lá fizeram destacamentos ou missões, que foi tirada esta foto, com a presença de vários “T6G” e de uma “DO-27”.



Curioso, é o facto de ser precisamente o “T6G” com o nº 1668 (da foto), que muitos anos mais tarde, juntamente com outro exemplar, fui encontrar estacionado no terreiro em frente da Fortaleza de S. Miguel em Luanda, como parte do espólio do museu militar ali existente, onde também se encontra diverso outro material militar, não só do tempo da guerra colonial, como também da guerra pós independência.
Certamente muitos daqueles que cumpriram o seu serviço militar em Angola, se lembrarão desta aeronave e quiçá, com ela voaram ou trabalharam.

Américo

Angola

VB:Bom-Dia Américo.
Tu dizes que estas fotos são referentes a algumas peças que compõem o espólio do Museu Militar de Angola!?... São aeronaves que foram "abonadas"ou que deixamos completas?
Este Museu deve estar aberto 24 horas e sem funcionários.

Lamento não poder colocar o carta onde nos assinalas os locais de que falas,mas não consigo transferir o ficheiro.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Voo 1565 A TODOS OS ZÉS QUE POR LÁ PASSARAM.

Victor Sotero Cavaleiro
Esp.EABT
Damaia


NOSTALGIA

Com uma "flor" entre os dedos,
Pensativo eu me quedo.
Deixo correr o tempo,
Deixo correr a vida.
Há um semi-vazio em mim,
Que não sei explicar,
Mas me obriga a agir assim!

- As fotos que o Dimas nos mandou!...

Será que o que sinto,
Outros o possam sentir,
Ou será que algo mais
Me impele a ser assim?

Perguntas vãs, sem resposta.
Que eu gostava de saber.
Agora, quero apenas SONHAR,
Desejo apenas viver.

Oretos



Nota.:-Marcaram-me muito as fotos que o Dimas nos enviou de tão longe!

domingo, 28 de março de 2010

VOO 1564 CONTRASTES.




Arlindo Pereira(Piriscas)

2ºSargº.Mil.MMA
Feijó




Depois da excelente viagem guiada ao AB3 proporcionada Victor Sotero, o qual com a sua forma ímpar de nos fazer viajar no tempo recuando cerca de quarenta anos, nomeadamente a todos aqueles que por lá passaram,

Legenda:O actual estado da Porta de Armas do antigo AB3,Negage.
Foto:Américo Dimas(direitos reservados)
eis que surge o Américo Dimas com uma reportagem que nos fez acordar, é a realidade presente, tanto um como outro fizeram por motivos diferentes com que caíssem algumas lágrimas a muitos de nós, porque parte da nossa juventude ficou naquela terra, é triste ver a reportagem do Américo, mas é com ela que temos de conviver.
Obrigados Victor e Américo pelos momentos que nos proporcionaram.
Arlindo Pereira, Negage / Tete

sábado, 27 de março de 2010

VOO 1563 KURIKA,DESTA VEZ SEI QUE ME OUVES.TRANSMITE,ESTOU À ESCUTA!


Victor Barata
Esp.Melec./Inst./Av
Vouzela



FOI À TRINTA E SETE ANOS,DOMINGO 25 DE MARÇO DE 1973!


KURIKA,KURIKA,MARTE CHAMA,ESCUTO!
KURIKA,KURIKA,MARTE CHAMA,ESCUTO!

KURIKA,KURIKA,MARTE CHAMA,ESCUTO!

KURIKA,não respondia!

Como Deus é grande,hoje é assim:

MIGUEL(KURIKA),MIGUEL(KURIKA),VICTOR CHAMA,ESCUTO!
MIGUEL(KURIKA) À ESCUTA,TRANSMITE VICTOR!
OK,MIGUEL(KURIKA)PEÇO DESCULPA DO ATRASO DE DIA E MEIO,AGRADEÇO LOCALIZAÇÃO E SITUAÇÃO DA OPERAÇÃO,ESCUTO!
OK,PASSO A INFORMAR:


KURIKA DA MATA

Sento-me no chão, ainda estonteado com a sequência dos últimos acontecimentos. Procurando retomar por completo a consciência, tento levantar-me, mas sinto a perna esquerda falhar ao mesmo tempo que uma forte dor me atinge. Procuro uma explicação para o que me está a acontecer e tento rever o que se passou nos últimos minutos. Começo a conseguir reconstituir toda a acção que me trouxe aqui - o apoio de fogo ao aquartelamento de Guileje, o sobrevoo do corredor do Guileje e a busca de indícios do IN na zona de Gandembel, o impacto violento sentido no avião, a perda total do motor, a minha tentativa de aproximação a Guileje, o afundamento brusco do avião, a minha reacção imediata accionando o manípulo de ejecção, depois... nada! Vejo-me agora isolado no meio da mata, com um pé torcido, segundo parece, e uma forte dor nas costas, que atribuo à violência da ejecção. Sinto que a minha vida está a andar para trás; e, afinal, o dia tinha começado perfeitamente normal...
............................................................................................................................................
Naquele Domingo, 25 de Março de 1973, tinha iniciado o meu trabalho às seis da manhã. Estava prevista uma actividade de voo um pouco mais reduzida durante o dia, mas a parelha de alerta dos Fiats, constituída por mim e pelo meu camarada António Matos, estava a postos para o que desse e viesse; o mesmo sucedia com as outras tripulações que também tinham entrado de alerta à mesma hora: do DO-27, dos AL-III (o heli das evacuações e o heli-canhão) e as enfermeiras paraquedistas prontas para qualquer evacuação que surgisse.
A manhã passou-se sem sobressaltos. Opto por almoçar qualquer coisa no pomposamente chamado "clube de pilotos", junto às Esquadras de Voo. Esta sala de estar, com um bar adjacente, permite às tripulações a permanência dos pilotos junto das Esquadras, para poderem acorrer mais depressa a qualquer solicitação. O accionamento do alerta é exigente e não se compadece com comezainas demoradas - desde o accionamento do alerta até à descolagem temos um tempo máximo de 10 minutos, o que inclui sacar o equipamento de voo, dirigir-se às operações para receber instruções e os mapas 1/50.000 da zona a apoiar, ser transportado até ao avião, pôr em marcha, rolar para a pista e descolar... Exige alguma celeridade.
Aproximávamo-nos das treze horas e eu tinha começado a tomar o meu café. De repente soam os altifalantes estrategicamente colocados no corredor limítrofe das Esquadras: "Alerta aos Fiats!". Imediatamente nos deslocamos à sala de equipamentos de voo, onde sacamos o equipamento mínimo para a missão[1] e seguimos em passo acelerado para as Operações. Aí, o Oficial de Operações do Grupo Operacional 1201 e o Oficial da Dia às Operações explicam-nos a situação.
Trata-se de um apoio de fogo solicitado pelo aquartelamento de Guileje, na sequência de uma flagelação com foguetões e canhões sem recuo sofrida pouco antes. Para aumentar o tempo sobre o objectivo é decidido escalonar a saída dos dois aviões, de modo a garantir uma pequena sobreposição na zona a apoiar.






Sou mandado avançar em primeiro lugar; dirijo-me rapidamente para o avião e atiro-me de imediato lá para dentro - nestes casos o mecânico antecipou a inspecção exterior e poupa-nos tempo. A rolagem para a pista é feita mais depressa que o habitual e para poupar tempo faço uma descolagem de corrida[2]. Rapidamente o "Tigre Negro"[3] está no ar.
O percurso para o objectivo é feito com bastante potência para diminuir o tempo em rota; aproveito para verificar o armamento e o combustível e, já próximo, inicio os contactos via rádio na frequência terra-ar.
Guileje esclarece-me sobre a possível origem dos disparos e indica-me a zona do antigo aquartelamento de Gandembel como a mais provável. À medida que me aproximo da fronteira começo a baixar de altitude - o pessoal do lado de lá (Kandiafara e Simbeli, por exemplo) tem a mania de treinar as anti-aéreas se nos apanham a jeito, por isso manter os 1000' é uma solução de compromisso entre evitar os RPG e mantermo-nos fora da vista da AAA[4].
Já no local procuro indícios de movimento de pessoas ou veículos, tentando visualizar trilhos recentes. Inicio uma volta pela esquerda e nesse momento sinto um impacto forte na traseira do avião, a que se segue o ruído característico da paragem do motor, o que posso confirmar pelo decréscimo rápido das rotações. Tento de imediato reacender o motor através da ignição de emergência enquanto, prevendo já o pior, prancho o avião para um lado e para o outro na tentativa de localizar e atingir a zona de Guileje. O motor continua parado e a velocidade não vai durar muito tempo. Quase de seguida, sinto a perda total dos comandos do avião, iniciando este uma descida brusca em direcção ao solo. Nem tenho tempo de alertar a Base - provavelmente nem me ouviriam dada a minha baixa altitude. Estou a mais no avião e a única solução é ejectar-me. Puxo a argola de ejecção[5] que está por cima da minha cabeça. A adrenalina multiplicou-me as forças de tal modo que nem sinto resistência ao accionar o sistema. A velocidade de raciocínio multiplicou-se igualmente. Imagino que falhou a ejecção e penso accionar a alavanca alternativa (na cadeira, em baixo, entre as pernas). Sinto então a explosão do cartucho da cadeira e deixo de ter consciência do que me rodeia. Afinal, passou-se 1/3 de segundo entre o accionamento do manípulo e a saída da cadeira...
............................................................................................................................................
Amparado a uma árvore, ainda tonto, tento fazer um ponto rápido da situação e deixo para mais tarde a análise do que se passou com o avião ou a maneira como acordei naquele sítio. O facto é que estou em terreno hostil, ainda distante do aquartelamento, num ambiente que é novo para mim, sozinho e quase incapacitado de andar. E se o IN viu a minha ejecção é natural que se dirija para o local para tentar apanhar-me. Pelo meu cálculo penso estar a sudoeste do antigo aquartelamento de Gandembel e considero ser a melhor opção avançar para NW, o que me aproximaria da estrada Aldeia Formosa-Guileje e do próprio aquartelamento.[6]
Abro o pequeno kit de sobrevivência que nos tinha sido distribuído - na verdade o seu conteúdo é uma novidade para mim, pois embora tivesse uma ideia do que lá estava nunca tinha visto nenhum aberto. Aliás, o kit era coberto por um forro em flanela, todo cosido, o que tinha impedido uma exploração prévia do seu recheio...
O essencial é tentar iniciar a marcha com o tornozelo ainda quente, pois receio não conseguir andar quando a perna arrefecer. Estou num local bastante arborizado e com muita vegetação junto ao solo, o que dificulta a progressão. Avanço a coxear, tropeçando com frequência. Tenho receio de perder a bússola que vinha no kit, é minúscula e se a deixar cair, naquele terreno, arrisco-me a não conseguir encontrá-la. Opto por segurá-la entre os lábios, ficando com as mãos livres para me ir apoiando sempre que tropeço. Com o tempo aumentam as dores na perna e a progressão é cada vez mais difícil.
Parece-me começar a ouvir barulho de aviões a jacto - será o outro avião de alerta já à minha procura? Começo a alterar as minhas prioridades - agora a minha preocupação é tentar encontrar um local mais aberto de onde possa disparar os very-lights e ser localizado por um avião. E há que ter cuidado, que os meus recursos são limitados, para alimentar a caneta dos very-lights só tenho nove cargas - a dotação que nos era normalmente atribuída[7]. Mas a copa das árvores não deixa muito espaço para manobra.
Finalmente, alcanço uma zona que está longe de ser a ideal mas que, dado o desnível das copas das árvores, poderá permitir o disparo enviezado dos very-lights, o que talvez possibilite a sua visualização do ar. O facto é que já não consigo andar e as costas também me doem bastante. Não me parece que consiga sair dali pelos meus meios.
Não temos rádios distribuídos, mas no kit vêm uns fósforos presumivelmente anti-humidade. Pode ser que fazendo uma fogueira... No momento também não vejo grande utilidade no preservativo que vinha no kit. Se a ideia era servir de contentor de água, esqueçam, que aqui não há nenhuma... O mesmo para o anzol - só se for para as férias...
O ruído dos aviões começa a ser mais frequente, mas parece que a área de busca é ainda afastada. Mesmo que eles se dirijam na minha direcção não vou conseguir vê-los e eles também não irão localizar-me; a única esperança é que vejam um very-light.
Sento-me encostado a uma árvore, virado para a zona mais descoberta (ou, será melhor dizer, menos cerrada...). Ao fim de algum tempo sinto a aproximação de um jacto. Parece vir na minha direcção, mas não consigo vê-lo. A minha experiência permite-me ter uma ideia, pelo som, da direcção e da distância do avião em relação ao ponto em que me encontro; disparo o primeiro "very-light" - um verde, apesar de não me sentir em grandes condições físicas - mas os minutos seguintes não me dão qualquer indicação de que tenha sido visto; nem as duas horas seguintes - as minhas tentativas de ser visto não estão a resultar e já utilizei quatro dos nove very-lights (já comecei a gastar dos brancos, mas a verdade é que já estou a borrifar-me para as cores!).
Começam a aproximar-se as cinco da tarde - na Guiné a transição do dia para a noite ocorre cedo e com uma certa rapidez; sinto que já não tenho muito tempo para ser localizado antes de escurecer. Volto a detectar a aproximação de um avião e disparo mais um very-light. O avião passa próximo, sinto-o dar a volta e passar outra vez próximo de mim, a baixa altitude[8].
Fico com a esperança de ter sido visto, mas a hora seguinte não confirma as minhas expectativas. E a noite cai finalmente, avolumando-se com ela a minha apreensão, dada a minha visível inadaptação ao ambiente que me envolve. Sou perturbado por uma série de dúvidas que me assolam, para as quais não tenho resposta - Os pilotos terão visto algum very-light? Estará a ser organizada uma operação de recuperação? Como pensarão recolher-me? O IN terá detectado a minha ejecção? Irão tentar "agarrar-me à mão"?
A noite vai ser certamente prolongada - e pouco dormida, seguramente. Aproveito para repousar um pouco o corpo, estendendo-me no chão, o que me permite reduzir as dores nas costas e simultaneamente dar menos nas vistas de quem se aproxime.
Tenho algum tempo para pensar no que me levou a esta situação. O IN terá pelos vistos atingido o Fiat, do que resultou a falha do motor, logo seguida da perda de comandos. Dadas as condições em que estava a voar, não tenho dúvidas de que a ejecção terá ocorrido nos limites da segurança, a baixa altitude e com uma acentuada razão de descida do avião desgovernado. Do modo como observei o paraquedas, meio pendurado ao longo da árvore, começo a acreditar que ele apenas terá completado a sua abertura já no contacto com a árvore em que me enfeixei, o que terá travado a velocidade da descida, acabando eu - mesmo assim - por entrar depressa demais pelo chão, provocando as lesões na perna esquerda. Calculo agora que será mais que uma entorse, embora não haja fractura completa da perna, nem fractura exposta.
Lembro-me que a minha arma pessoal - uma Walther PPK .22 [9] - ficou guardada no anti-g, mas não tenho a certeza se não será melhor assim - a posse da arma dar-me-ia a tentação de a usar em situações em que tal não era recomendado. Bom, não tenho a arma, não vale a pena pensar mais nisso.
A noite é interminável - mantenho-me desperto embora por vezes o cansaço me faça dormitar, mas acordo logo, alertado por um qualquer barulho. A tensão da situação e a desidratação que começa a afectar-me também não contribuem para me acalmar. No escuro parece-me detectar o movimento de um insecto que brilha, mas trata-se afinal dos ponteiros luminosos do meu relógio, a que a minha visão desfocada (por falta de referências) parece dar uma sensação de movimento... Acordo outra vez com a sensação de algo encostado à minha perna (uma cobra?) - não me mexo, até porque cobras não são o meu forte; será a perna partida a latejar que dá aquela sensação de movimento? A verdade é que essa sensação passa - ou o animal se foi ou a perna deixou de latejar...
Cometo um erro ao poisar a cabeça no chão para repousar. Fico com uma orelha encostada ao chão, o que amplifica todos os sons produzidos à minha volta. O simples contacto de uma folha a cair, ao bater no chão, faz lembrar a progressão pé ante pé, de alguém que se aproxima. Apesar de a escuridão não o permitir, parece-me divisar duas sombras que se vão aproximando de mim...
O amanhecer encontra-me exausto, mas satisfeito por ver a luz do dia. Fico a aguardar o regresso dos aviões para tentar perceber o que estão a planear. Finalmente começo a ouvi-los. É uma miscelânea de sons que vou identificando - Fiats, T-6, DO, AL-III. Começo a ter a certeza de que fui localizado. Pelo sim, pelo não, quando sinto a sua aproximação, disparo mais um very-light. Mas sistematicamente, parece que os AL-III se aproximam e a uma certa distância voltam para trás[10].
Os very-light esgotam-se finalmente. Resolvo despir a parte de cima do fato de voo e retirar a camisola interior, branca. Depois de vestido novamente o fato de voo, decido pôr a camisola interior por cima, à laia de pull-over. Espero ter assim mais possibilidades de ser detectado do ar, por fazer agora um maior contraste com a vegetação.
São nove horas da manhã - já passaram 3 horas de luz e nada. Tinha pensado que um AL-III com guincho chegaria à vertical e tentaria recuperar-me pelo ar... mas a verdade é que nenhum aparelho me sobrevoa.
Em desespero, resolvo fazer um fogo que seja visto do ar (má ideia, que ainda posso ficar carbonizado...) mas a natureza ajuda - a vegetação está húmida... e os tais fósforos anti-humidade também! Vários falham e não consigo acender nada. Quando risco o último, a cabeça salta, ainda por arder. Tiro as luvas e com a ponta dos dedos seguro a cabeça do fósforo, friccionando-a contra a lixa: começa a arder queimando-me os dedos mas apagando-se logo de seguida.
Resigno-me a esperar por auxílio, que da minha parte parece-me não haver muito mais a fazer. Mas a desidratação e a tensão começam a pregar-me partidas. Pressinto a aproximação de pessoas, mas não as identifico. Começo a pensar que é pessoal do PAIGC que está a envolver-me, na esperança de poder preparar uma emboscada ao helicóptero ou helicópteros de salvamento. Chego à conclusão que o melhor é não chamar a atenção dos aviões, pois se eu pelos vistos já estou "aviado", não vale a pena levar comigo algum camarada que esteja a tentar salvar-me.


Começo a divisar cabeças que se aproximam pelo meio da folhagem; são africanos, o que parece confirmar as minhas piores previsões; o armamento e uniformes também não são das tropas portuguesas. Sabem o meu nome (mas também não é difícil, têm provavelmente infiltrados na Base). Dizem-me para ir com eles - e eu peço-lhes "delicadamente"[11] para se irem embora e me deixarem em paz.
Aparece o que parecia ser o chefe - de barbicha e óculos - e diz-me que é o Marcelino da Mata. Ora eu, "pira" de 4 meses da Guiné, embora conhecendo as referências do senhor, nunca o vi pessoalmente, mas é conhecido que ele costuma levar cantis com Fanta e Coca-Cola. Peço-lhe de beber, ao que ele anui. Provado o produto fica confirmada a identidade do meu interlocutor, o qual merece da minha parte, de imediato, um efusivo cumprimento: "Ah granda Marcelino!".
Chega entretanto ao local pessoal meu conhecido do BCP12 e renova-se a minha confiança em acabar bem o dia. Ao ponto de, quando sugerem a construção de uma padiola, ter recusado: "Entrei nesta mata de pé e é de pé que vou sair" - Pudera! Agora que já tenho as costas quentes...
A deslocação até ao helicóptero não tem grande história, embora seja demorada e cansativa, pois a incapacidade da minha perna esquerda obriga-me a progredir no terreno apoiado em dois elementos das Operações Especiais, um de cada lado.
O pessoal do Marcelino tem pelos vistos a mania de provocar o IN pois, à medida que avançam no terreno, gritam para o mato "Eh F.... da P.... do C.......! Apareçam, seus C....!", ao que eu lhes sugiro que primeiro me ponham no helicóptero e depois resolvam essa contenda com os outros, que por mim já tenho que me chegue. Só me falta que aqueles tipos comecem aos tiros uns aos outros, e eu sem me poder mexer!
Durante o percurso, noto que um dos paraquedistas que vai à minha frente se vira para trás de vez em quando, tirando-me uma fotografia.




Ora eu ainda estou um bocado descomposto e continuo com a camisola branca por cima do fato de voo. Peço uns momentos para tirar a camisola, que guardo num dos bolsos do fato de voo,




e prossigo a caminhada com mais à-vontade, pois já me sinto razoavelmente enfarpelado e em condições de enfrentar a máquina fotográfica. Apesar dos perigos, a nossa progressão começa a parecer um passeio turístico, pois chegamos a parar para tirar uma foto de grupo.




O Marcelino resolve pôr uma pose mais agressiva, de catana na mão, o que, associado à minha cara de enfiado, mais faz parecer que fui apanhado pelo IN...
Chegamos finalmente à orla da mata, onde um AL-III nos espera. Para apoiar aquela evacuação, o Serviço de Saúde da BA12 tinha destacado um médico[12].





Quando entro no heli, devo estar com um aspecto abatido pois ele decide dar-me um tónico qualquer que eu aceito de bom grado, que ainda estou com sede... E o facto é que fico com uma passada que ninguém me cala! Também, tinha estado quase 24 horas sem falar...
Aterramos em Guileje, onde muitos militares curiosos esperam para ver o aviador recuperado; alguém resolve dar-me, em jeito de compensação, uma garrafa de champanhe. Um novo helicóptero está a postos no local para me transportar para o Hospital Militar; também já lá está a enfermeira paraquedista que me vai acompanhar, a enfermeira Giselda[13]; embarcamos no helicóptero e mantemos 1500' de altitude[14] em direcção ao Hospital, onde chegamos sem problemas. Tiradas várias radiografias, confirma-se a fractura do perónio; depois de me colocarem o gesso na perna partida,



o helicóptero leva-me (mais a garrafa de espumante) para a placa de helicópteros da Base - parece que finalmente acabou o dia e que vou poder descansar de tantas emoções. Engano meu!




À chegada à Base sou surpreendido pela presença de um grupo de militares da BA12 - pilotos, mecânicos, enfermeiras e outros - que resolvem festejar exuberantemente a minha recuperação. Sinto-me emocionado com esta recepção. Para além dos laços de amizade que tenho com alguns dos presentes, neste momento eu represento para eles o produto final do trabalho que, directa ou indirectamente, desenvolveram com tão bom resultado. Por isso sentem-se felizes por eu estar ali. E eu estou feliz por ter regressado a casa.

Miguel Pessoa
(Por vezes "Kurika" ou "Kurika da Mata")

[1] Nas missões normais o piloto usava o fato anti-g (que permite ao corpo suportar maiores acelerações (Gs)), o "Mae-West" (colete insuflável para a água), as fitas para as pernas (que, ficando presas à cadeira, no caso de uma ejecção não controlada puxavam as pernas para trás, evitando lesões graves nos joelhos e/ou nas pernas num possível contacto com o aro da "canopy" durante a ejecção) e, naturalmente, o capacete de voo com a máscara acoplada. No caso da saída do alerta, que se pretendia muito mais expedita, muitas vezes dispensávamos o anti-g, levando apenas o "trikini"- como lhe chamávamos - o capacete, o mae-west e as fitas da cadeira, isto no pressuposto de que a carta 1/500.000 e as luvas de voo já estavam guardadas nos bolsos do nosso fato de voo. O paraquedas estava integrado na cadeira de ejecção, por isso era "vestido" quando nos sentávamos dentro do avião.
[2] A descolagem de corrida era um procedimento mais expedito usado nas saídas de alerta em que o avião, quando entra na pista, está já a ser acelerado para a descolagem e os procedimentos antes da descolagem são feitos enquanto o avião ganha velocidade na pista. Pelo contrário, em condições normais o avião é imobilizado no início da pista, são efectuados os procedimentos antes da descolagem, é acelerado o motor para a potência máxima e, verificada a normalidade de todas as indicações do motor, são libertados os travões, e o avião inicia então a corrida de descolagem (o percurso na pista desde que larga travões até ter as rodas no ar).
[3] Indicativo normal da parelha de alerta. Nos Fiats não usávamos os nossos indicativos pessoais, apenas no DO-27, onde o meu nome de guerra era "Kurika".
[4] Artilharia Anti-Aérea
[5] A que chamávamos Sto.António, por ser em forma de auréola... Ao puxar-se para a frente, accionava o sistema de ejecção e desenrolava uma lona que tapava a cabeça do piloto, protegendo-o de certa forma de pequenos destroços e do fluxo de ar exterior, quando a cadeira saía do avião.
[6] Infelizmente o meu raciocínio estaria certo se eu estivesse a sul daquela estrada. Mas as manobras que fiz levaram-me para norte dela e eu nunca mais iria cruzar a referida estrada...
[7] 3 very-lights verdes, 3 brancos e 3 vermelhos, usados de acordo com o estado em que o aviador se encontrava (do menos grave para o mais grave). Isto seria aplicável se fossem muitos. Assim, a partir de certa altura usa-se os que temos, não importa a cor...
[8] Contar-me-iam mais tarde que o TCor. Brito, Comandante do GO1201 - o piloto em questão - referenciou o disparo deste very-light e sobrevoou novamente o local, tendo divisado com algum custo o meu paraquedas, meio enterrado numa árvore. Convencido de que o piloto estaria num estado de saúde razoável, acertadamente considerou que não havia condições de segurança para lançar de imediato uma operação de salvamento, dada a hora tardia, antes preferindo iniciar o planeamento de uma operação bem sustentada, a desencadear nas primeiras horas da madrugada.
[9] As armas de baixo calibre, embora menos eficazes, eram as mais apropriadas para os pilotos dos Fiats. Veja-se que uma arma destas, pesando cerca de 500g, representa mesmo assim um peso de cerca de 9 kgs durante uma ejecção (18 Gs=18x a aceleração da gravidade). Assim, com uma arma de maior calibre (e peso correspondente), em caso de ejecção o piloto arriscava-se a vê-la rasgar o bolso ou o coldre em que a guardava, e desaparecer.
[10] Soube posteriormente que naquela altura os AL-III procediam à colocação de Paraquedistas e Operações Especiais na orla da mata em que me encontrava, para estes depois prosseguirem a pé na minha direcção.
[11] Segundo alguns testemunhos, parece que não foi bem assim. Eu terei dito "Vão-se f.... ; deixem-me morrer aqui em paz sozinho" ou algo semelhante. Tenho que aceitar esta última versão como correcta, porque por aquela altura eu já tinha os platinados a falhar. Embora me choque, porque sempre fui uma pessoa bem educada...
[12] Convém esclarecer o porquê da presença de um médico nesta situação. Pouco tempo antes tinha surgido uma determinação do Estado-Maior que proibia a ida das enfermeiras paraquedistas à zona de combate. Esta decisão surgiu na sequência da morte de uma e ferimento de bala de outra; o curioso é que nenhuma destes casos ocorreu no decurso de uma evacuação à zona, pois uma morreu num acidente na placa dos DO-27 (na Guiné) e outra foi atingida por uma bala quando voava noutro DO-27 (em Moçambique). Isto mostra o receio que as chefias tinham dos efeitos na opinião pública, caso ocorresse a morte de uma enfermeira em verdadeiro cenário de guerra. À época aceitava-se que as mulheres apoiassem o esforço de guerra, mas na retaguarda, enquanto que não se via com bons olhos que ela participasse activamente na frente de combate.
[13] A Giselda acompanhou-me nessa evacuação e, desde então, nos momentos mais importantes da minha vida - casámos em Outubro de 1974.
[14] Não há dúvida que tivemos sorte. Embora começassem a surgir no TO os mísseis Strela, até ali desconhecidos, nenhum deles estava, pelos vistos, no percurso que seguimos para o Hospital. A altitude mantida colocava-nos perfeitamente ao alcance do míssil. Mas não era o nosso dia...


VB:Companheiros,este texto está em meu poder à alguns dias,por foi por disponibilidade de tempo ou esquecimento que o não editei,foi apenas e somente a emoção que me aprisiona os movimentos de cada vez que me disponho a fazê-lo.
Poderá parcere estranho a muitos de vós,talves até ao próprio Miguel Pessoa,mas foi e será um dos momentos que mais marcou a minha vida.

Estive ontem a falar com ele e "proibiu"de me voltar a enviar textos relativos aquele acontecimento!

Parou!Não vai...não consigo...Desculpa Miguel




JC: Em primeiro lugar o agradecimento ao Miguel Pessoa por partilhar no "nosso" Blogue passagens críticas e marcantes ocorridas há 36 anos ao serviço da "nossa" FAP.
Documento exemplarmente escrito que nos transporta para a situação ao ponto de apetecer dizer "tem calma, está tudo sob controle, estamos aqui", complementado com apontamentos de delicioso sentido de humor.
De enorme mais-valia as notas explicativas para o conhecimento de todos nós e para os vindouros.
Dos testemunhos fotográficos, além do visível sofrimento do Miguel Pessoa, tomo a liberdade de destacar os diversos militares da BA12 celebrando a sua recuperação, sintomático do espírito de camaradagem ali reinante.
Quantos dos nossos tertulianos viveram estes momentos ?
Esta geração generosamente partilhando e contando na primeiro pessoa, para todos nós, para os vindouros, lembranças difíceis,acontecimentos da nossa história.

VOO 1562 FOTO DA FAMÍLIA 3ª/69 3ªESQUADRILHA 1ªSECÇÃO.



Arlindo Pereira (Piriscas)
2ºSargºMil. MMA
Feijó


A pedido do Manuel Silva, que esteve comigo no Negage e é participante assíduo dos convívios da referida Unidade, aqui vai o pedido de publicação para a posteridade da família dos Zés.
Arlindo Pereira - Piriscas

Camaradas Espichalistas:
Espero que estejais abastecidos com JP1...!!! também pode ser Nocal ou Cuca
João Sousa ou Arlindo (pirisca), estes porque são os que vejo mais em
contacto com o blog da BA12, enviai esta para o arquivo.
É a 2ª. de 69 , 1ª.Secção-3ª.Esquadrilha
um abração
M. Silva

VOO 1561 VISITA GUIADA AO INTERIOR DO AB 3 ACTUAL (PARTE II)



Américo Dimas
Esp.MARME "Lobo Mau" (Heli-Canhão)
Angola





O Américo fez o favor de nos remeter, em segunda mensagem, mais algumas fotos do AB 3 - Negage que agora publicamos.
São imagens do tal local onde comemoramos os nosso 19/20 anos!
Um abraço para todos e boas recordações.





Legenda: Algumas das fotos do AB 3 actual.
Foto:Américo Dimas(direitos reservados)

Voos de Ligação:

Voo 1560 Uma visita guiada ao interior do AB 3 actual (ParteI) - Américo Dimas
Voo 1559 Uma visita guiada ao interior da Esquadrilha de Abastecimentos do AB3 - Sotero Cavaleiro

VOO 1560 UMA VISITA GUIADA AO INTERIOR DO AB3 ACTUAL.(PARTE I)



Américo Dimas

Esp.MARME "Lobo Mau"
Angola

Caros “tertulianos”

Em geito de homenagem a todos aqueles que cumpriram serviço militar no AB3, aqui vos apresento o texto que a seguir transcrevo para o blog:
Numa visita que efectuei à cidade de Uíge (antiga Carmona), não desperdicei a oportunidade de ir conhecer a vila de Negage e também o ex-A.B.3, como não poderia deixar de ser.

A expectativa era grande assim como a vontade.

Legenda: A grande recta do Negage.
Foto:Américo Dimas(direitos reservados)

Percorrida aquela estrada comprida, que liga a vila à unidade, como muitas vezes, certamente o Victor Cavaleiro, o João Sousa e tantos outros a percorreram vezes sem conta, acabei por parar mesmo em frente da Porta de Armas, que lá se mantinha, com a mesma aruitectura, embora com outras cores, como se pode ver numa das fotos.

Ao meu encontro veio um militar da F.A.Angolana, que ali fazia serviço de guarda, pese embora a unidade apresentasse a imagem de inoperativa e até de abandono.

Expliquei ao que vinha e depois de alguns minutos de diálogo e insistência, lá me deixaram entrar, na condição de ser acompanhado na visita e sem poder tirar fotografias, o que me deixou algo desgastado...


Legenda:Estas duas fotos foram tiradas no interior da base,camufladamente.Veja-se o estado de degradação em que se encontram estas instalações outrora utilizadas por alguns de nós.
Foto:Américo Dimas(direitos reservados)

Apesar dessa imposição, consegui “disparar” algumas vezes, mesmo enfrentando algum risco, pela desobediência praticada, ao tirar aquelas fotos furtuitas.

Percorri o interior da unidade, seguindo pelo caminho da esquerda, após passar a porta de armas, dirigindo-me para os lados da “placa”, virei à direita, passando pelas traseiras dos hangares, que se encontravam completamente destelhados e muito danificados, conseguindo ver até, dois Mig´s muito canibalizados, estacionados naquilo que foi o interior dos hangares.

Depois, após passar pelo ultimo hangar, curvei para a direita, por caminho com vestígios de ter sido alcatroado..., mas que a vegetação a pouco e pouco ia ocupando, quase não se percebendo por vezes, que ali havia caminho.

Tudo que foi em tempos, os edifícios administrativos ou alojamentos, encontravam-se em ruinas.

Mesmo sem ter conhecido aquela unidade noutros tempos, ao ver tudo aquilo destruído, senti um enorme sentimento de nostalgia e tristeza.

Encaminhei-me finalmente para a saída, agradecendo a gentileza da autorização com um até qualquer dia e efectuei o regresso à povoação de Negage, não sem antes passar por alguns edifícios que outrora foram preponderantes na convivência entre habitantes e visitantes da simpática vila de Negage, como por exemplo:

Legenda: O Hotel Tambuaza.
Foto:
Américo Dimas(direitos reservados)


Legenda:Esta é actaul sede do Sporting Club do Negage
Foto:Américo Dimas (direitos reservados)

o Hotel e a Sede do , onde aproveitei para almoçar o único prato que havia: frango grelhado com batatas fritas, seguindo depois para Uíge novamente.

Américo
Angola

Voos de Ligação:
Voo 1559 Uma visita guiada à Esquadrilha de Abastecimentos do AB3

VB:Bom-Dia Américo.
Mais uma vez nos delicias com uma
belíssima descrição do teu voo no interior do AB3 e sua periferia. Certamente que vais deixar alguns dos nossos companheiros com a lágrima ao canto do olho,mas nem por isso te deixaram de agradecer este momento que lhes proporcionas de recordar,embora num estado lastimoso,o local onde passaram algum tempo da sua juventude numa guerra que nem se sabia para quê,para hoje desfrutarmos do miséria deste pobre e
triste pais.

sexta-feira, 26 de março de 2010

VOO 1559 UMA VISITA GUIADA À ESQUADRILHA DE ABASTECIMENTOS DO AB3.


Victor Sotero Cavaleiro
Esp.EABT
Damaia


NUMA MANHÃ DE UM DIA QUALQUER.


Meu Comandante:
As minhas saudações Aeronáuticas ao Comando, à Linha da Frente e a todos os "ZÉS ESPECIAIS" que nos "visitam."
"Este meu atraso ficou a dever-se, sem culpa minha, ao fim de semana, que desta vêz foi um pouco mais longo.
Eu tinha metido dispensa de fim de semana para Luanda. Era para regressar na Segunda-feira no NORD, mas como havia "pessoal maçarico" com guia de marcha, passaram-me à frente. Vim hoje, Quarta-feira no B.C. com o Comandante."
Meu Comandante:
Tenho um convite para lhe fazer:A Linha da Frente e os "ZÉS ESPECIAIS" conhecem o A.B.3 por fotografia. Eu, lembrei-me de convidar o Comando, a Linha da Frente e todos os "ZÉS" a fazer-mos uma visita à Esquiadrilha de Abastecimento, partindo da minha camarata. Que me diz, meu Comandante?
-Pode ser amanhã? De manhã, claro.

-Ena tanta gente!-Bons dias.
Antes de iniciar-mos esta pequena visita, é meu dever informar o seguinte:
O A.B.3, de acordo com os estudos feitos pelas Infraestruturas da Força Aérea, era inicialmente para ser construído em Carmona, cidade que fica a 33 kilómetros e onde já existia um pequeno aeródromo.
Toda esta região, era na altura grande produtora de café.
No N'gage, ainda vila, vivia o homem mais rico de Angola. Era dono e senhor de muitas roças de café, para além de outros negócios.Era o João Ferreira. Foi ele que cedeu estes terrenos e rapidamente começou terraplanagens para abertura de uma pista. A Força Aérea aproveitou e aqui construiu o seu Aerodromo Base nº 3.
Agora sim. Vamos sair da camarata e ficar de costas voltadas para a "sua" frente. Para lá do arame farpado, nesta imensidão de terreno, temos a pecuária da Unidade.
Sobre o nosso lado esquerdo, temos aviários, suinicultura e vacaria. Para o nosso lado direito, são plantações de abacaxis, mamoeiros e bananeiras.
Ao fundo, onde se vêem aquelas árvores mais altas, é onde passa um pequeno rio e onde se movimenta a colónia de macacos que o Olvídio já nos "mostrou" no voo 1505.Junto a nós, esta estrada que quase circunda a unidade, já vem da porta de armas e passa pelas frentes dos cinco alojamentos de "ZÉS ESPECIAIS". O sexto alojamento, a camarata onde ainda estamos, é separado por aquela rua que daqui a pouco subiremos.
Para além desta camarata, temos depois as camaratas do S/G e da P.A..-Oh Loureiro! Aquela árvore não é um coqueiro, mas sim um mamoeiro. O coqueiro é muito mais alto e não aparecem por aqui. Os mamões nesta árvore não chegam a amadurecer. São ainda apanhados verdes e vão para dentro do armário.
Vamos então "voltar" à direita e seguimos pela rua de que lhes falei. É ligeiramente inclinada.
à nossa esquerda temos mais dois alojamentos que são de sargentos e mais para a esquerda avista-se o Comando com o jardim em frente. Vê-se ainda a Secretaria, e a Esquadra de pessoal. à nossa direita ainda um alojamento que se destina ao pessoal da Anti-aérea. Mais acima, o clube e a messe de Praças.Quase em frente mas do nosso lado esquerdo, fica o "nosso" clube e a messe. Vem a seguir o clube e a messe de Sargentos. Por detrás, ficam as cozinhas e o armazém das subsistências.
Temos na nossa frente este magnifico edifício. Talvez seja o segundo maior e mais bem apetrechado do A.B.3..Tem, tanto à direita como à esquerda dois grandes portões que se fazem deslizar em calhas de ferro. Ao meio, uma porta em chapa de ferro que normalmente está aberta nas horas de serviço, claro.
-É a Esquadrilha de Abastecimento.
-Vamos entrar?Estamos na Recepção. O Armazém é toda a área que se vê. Estão aqui colocados três fiéis de armazém. O Salgado, o Baganha e o Figueiredo. O chefe de todo este sector é o Primeiro Sargento Lobo.À esquerda é a Recepção do material adquirido ao mercado e o que vem do D.G.M.F.A.. É também a expedição do material que vai para reparação ao Depósito.
O "ZÉ" Barbosa e o "ZÉ" Pereira, (Janica), é aqui que estão colocados.
Este balcão, serve também para as pessoas não terem o "apetite" de entrar pelo armazém dentro.
-Oh Mário Rodrigues, já viste aquele rádio? Deves conhecê-lo! Nunca substituis-te válvulas num HAMMARLUND SP-6OO-X? A torre de Controle tem material deste distribuído!
Bom, vamos agora aqui pela direita.-Aquele, é o tal papagaio que o Olvidio nos falou no voo 1485.
Subindo estas escadas, ao cimo, temos à nossa direita o Comando da Esquadrilha.
Aqui trabalham os Sargentos Lebre e Pereira, para além do nosso "ZÉ" e amigo Pinto.
Toda a correspondência para dentro e fora da Unidade, é aqui elaborada.À esquerda, este enorme salão.
Logo à entrada, esta mesa enorme! É a secção de Publicações Técnicas. O Furriel Silva sabe muito de Inglês e é ele que se "diverte" com os "papéis" das T.O.'s
-Já agora, meu caro amigo Jorge Mendes: Na Beira, B.A.10, não tinhas estas condições de trabalho, pois não?
Em frente, temos o E.N.A. (Exame, Numeração e Arquivo) Passam por cá todos os documentos respeitantes à área de Abastecimento.
O Chefe é o Primeiro Sargento Soeiro e o "ZÉ" Artur Pereira.Um pouco mais à frente, temos o RAMFA 9 e o "ZÉ" Espanhol. Ele sabe através daquela montanha de fichas, o que cada serviço, bem como os A.M.'s têm distribuído. É o controlo do material de utilização permanente, a célebre categoria "P".
De vez em quando, lá vai uma conferência de material quando os chefes mudam.
Ainda mais à frente, fica o Registo.-Vejam a quantidade de ficheiros CARDEX que estão encostados às paredes!Cada ficheiro tem três armários verticais com treze gavetas e cada uma, leva cerca de setenta fichas. Corresponde cada ficha, a um artigo diferente.
Em tempos, passou por aqui um tal Furriel Relvas que não era nada "amigo".
-É que ainda vão aparecendo "recados" para acertar os saldos em algumas fichas!
Enfim: Aqui trabalham o Furriel Sousa, e os "ZÉS" Campos, Duarte, Medeiros e o Dias.
Eu, trabalho aqui ao lado no Sector de Requisições.
Quando o Registo verifica que os níveis estão baixos, ou aparecem artigos que nunca foram consumidos ou utilizados, sou eu que faço as requisições ao Depósito.-Veja lá, meu Comandante: -Na OTA, aprendemos dactilografia num teclado e quando chegamos a uma Unidade o teclado é outro! A principio quase que andamos aos "bonés", mas depois, lá nos vamos adaptando.
Aqui de cima, vimos muitas vezes o Primeiro Sargento Lobo (tem uma data de filhos) circundar as camionetas quando descarregam mantimentos para as subsistências. Nunca vem de mãos a abanar!
-Ele pensa que não vimos!
À saída da Esquadrilha, temos para a direita, a secção de carga.
Aquele SKYMASTER por ali ficou e dele fizeram a secção de carga.-João Sousa, "conta-nos" o motivo porque ficou por cá aquela aeronave e dela fizeram a secção de carga.

Legenda:À sombra do mamoeiro.
Foto:Victor Sotero
Legenda:
Da Esq./Dta: Lebre, Lageira, Sotero, Lucas, Espanhol, Pinto, Silva, Sousa e Pereira
Foto:Sotero Cavaleiro(direitos reservados)

Ao Comando, à Linha da frente e a todos os "Zés Especiais", agradeço tão boa companhia que me fizeram nesta manhã cálida e perfumante de um dia qualquer, supostamente em 1969.


Com um até breve,
Sotero

VB.Para quem esteve no AB3,certamente que recordou o local através desta excelente visita guiada do Sotero.São estas descrições que fazem a história dos ZÉS ESPECIAIS,é pena que alguns de nós não possuam a memória dele. Gostava de deixar aqui um apelo a todos os que compõem a foto exposta que entrem neste espaço para,no mínimo,deixar um comentário a esta visita guiada.