quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

VOO 1442 O MADEIRA PARTIU PARA O SEU ÚLTIMO VOO.




Victor Barata
Comandante desta Aeronave
Esp.Melec./Inst./Av Guiné
Vouzela
Olá Companheiro.

Embora pertence-se-mos à mesma família,a FAP, conheci-te pela primeira vez na Base Aérea nº 12,em Bissalanca,Guiné.Quando ali desembarquei do DC-6 que me transportou do AB 1,Portela,tudo para mim era uma interrogação: -Vou ter que estar aqui dois anos?O que será esta vida na guerra? Vou morrer? que pedir muito a Deus para me guardar! Não conheço ninguém... Ó "pira" qual é a tua especialidade?-Pergunta-me um companheiro que já tinha terminado a comissão à dois meses.Levam-me para uma camarata ocupada com umas oitenta camas,protegidas por redes,parecendo o berço de crianças, onde eu iria pernoitar esperando pelo dia seguinte para me arranjarem um quarto.
Assim foi,no dia seguinte fui para um quarto com oito camas,sete estavam ocupadas e uma livre que iria ser minha.
Então "pira"qual é a tua especialidade? De que base vens?És de onde?
As perguntas habituais.
Nesse quarto habitavas tu,Madeira! Foi ai que te conheci e que recordamos os nossos tempos de Coimbra,pois sem sabermos,éramos vizinhos, habitavas no Chão do Bispo e eu na Casa Branca. Os primeiros tempos na Guiné, eram sempre dificéis para quem ali chegava com os 18/19 anitos,as saudades da família,namorada,amigos,aliado ao clima de guerra que se vivia,era muito duro,com a agravante de ter sido colocado de imediato na linha da frente.
Companheiro foste tu que me ajudas-te a superar tudo isso,foste tu que me mostras-te os cantos da casa,foste tu que me levas-te a primeira vez a Bissau(já não me recordo,mas se
calhar até ao Pilão?!),foste tu,e o Nóbrega,que me ensinaram a beber Genebra.
Enfim,ajudas-te-me a não sofrer o impacto inicial da GUERRA! Eras o gajo que nos "limpavas"os pesos a vender as fotos que nos tiravas e que tiravas ás bajudas.
Regressas-te e eu fiquei.
Procurei-te em Coimbra,uns cinco anos depois,eu já casado e com o meu filho de 2 anos e tal, a quem tu ofereces-te uma máquina fotográfica que ainda hoje existe e funciona.
Depois de disso,trinta e tal anos,encontramo-nos em Aguiar de Sousa,na Quinta do Baptista,durante um encontro do pessoal da BA 12. Lembras-te o que sofri nesse dia por te ver como vi,Madeira?...
... já não vou a tempo! O Zé Raimundo telefonou-me ontem à noite a dizer que ...não falavas mais comigo!
Não era isto que eu desejava,Companheiro.
Procurei-te,por onde julguei ser possível encontrar-te,mas...não consegui.
Quis ajudar-te naquele momento que sabia que precisavas de mim...não consegui.
Não te pude transmitir o quanto era teu amigo,mas...tu sabias.
Fui hoje,bem cedinho,para Coimbra,capela de S.José,ali bem pertinho dos locais que habitamos,para te dar saída ao teu eterno voo,mas...só vi a aeronave.
Ainda pensei que as lágrimas me obstruíssem a visão fazendo com que te não visse,o que era impossível,mas...não te vi.
Partiste Amigo,espero que me recebas nessa base quando eu aterrar,tão bem como o fizeste na BA 12.



ATÉ UM DIA COMPANHEIRO!