domingo, 24 de maio de 2009

VOO 996 MANGA DE VENTO!...OU NÃO?!




Miguel Pessoa
Cor. Pilav. Refº. Guiné
Lisboa

Caros Victor e João Carlos
Em vésperas do nosso Encontro, cá vai mais uma história de aviadores na Guiné.
Um abraço. Miguel Pessoa


MANGA DE VENTO!... OU NÃO?!

Para além das informações de direcção e intensidade do vento fornecidas pelas torres de controlo, via rádio, muitas vezes o aviador tem que se socorrer de outros meios quando essa informação não está disponível. Por isso todos os aeroportos e aeródromos dispõem de mangas de vento, que permitem ao piloto ter uma ideia aproximada de onde sopra o vento e com que intensidade. Os automobilistas podem também observar estas mangas de vento nas auto-estradas, em zonas mais batidas pelo vento.
Basicamente a manga de vento é um aparelho constituído por um cone de tecido com duas aberturas, sendo uma delas, a maior, ligada a um aro de metal. Esse aro, preso a um poste de um modo que permita liberdade de rotação, faz com que o cone esteja aberto, entrando o vento por este lado e saindo pelo lado mais estreito. A manga fica assim enfiada com o vento, dando uma indicação visual da sua direcção.



Legenda: Manga de Vento
Nota:
Fotografia enviada por Miguel Pessoa. com a devida vénia a http://flytech-pt.com

Olhando para uma manga, podem observar-se as diversas listas que a constituem, alternadamente vermelhas e brancas. Quem pensa que essa decoração serve apenas para a manga se poder ver melhor, está ligeiramente enganado. Na verdade as mangas podem ser calibradas de modo a darem uma indicação da intensidade do vento. Por norma cada lista representa cerca de 5 km/h de velocidade do vento, Assim, se as duas primeiras listas estão enfunadas e as seguintes descaídas, podemos considerar que o vento sopra com uma velocidade aproximada de 2x5=10 km/h.
O pessoal que passou pelos aquartelamentos com pista de aterragem pôde observar essas mangas colocadas a uma distância de segurança da pista, infelizmente muitas vezes em mau estado de conservação. Isso devia-se em parte à dificuldade em se conservar a manga em bom estado, por falta de material de substituição, mas também à pouca sensibilidade do pessoal do quartel para o interesse que essa informação representava para o piloto.
Sucedeu a um piloto da nossa praça que, tendo demandado um aeródromo algures na Guiné, ali chegado tivesse experimentado sérias dificuldades em manter o controlo do avião na aterragem, devido a um forte vento cruzado que se fazia sentir. Acontece que o estado da manga de vento era deplorável e, consequentemente, a informação do vento inexistente, não tendo alertado o aviador para aquelas condições desfavoráveis.
Furioso, o piloto saiu do avião e dirigiu-se ao Maior do aquartelamento, manifestando-lhe o seu desagrado e ameaçando não voltar a aterrar ali se a situação se mantivesse.
Quis o destino que, passado pouco tempo, o mesmo aviador fosse incumbido de uma nova missão para aquele aeródromo tendo verificado satisfeito, quando preparava a aterragem, que uma nova manga brilhava no respectivo poste. O piloto preparou a aterragem com todo o cuidado pois pelas indicações da manga o vento soprava forte, cruzado de 90º com a pista. Qual não foi o seu espanto quando, depois de tocar o solo, o avião guinou bruscamente, apontando ao vento (totalmente diferente do que ele esperava); só com grande perícia ele conseguiu evitar a saída da pista e os consequentes danos no avião.
Mais uma vez foi ter, furioso, com o Maior do quartel, perguntando-lhe que raio se passava com a porcaria da manga, que o tinha induzido em erro. Enfiado, o outro respondeu-lhe que tinham resolvido meter um pau por dentro, para ficar esticada e se poder ver melhor do ar...
A falta de sensibilidade para as necessidades, limitações e problemas dos outros é habitual em sociedade. No caso da Guiné, e naquela época, por vezes os pilotos não compreendiam as necessidades da tropa no terreno e esta, por sua vez, não se apercebia das limitações e necessidades dos aviadores. Mas não foi por isso que, dentro das suas capacidades, os pilotos da Força Aérea deixaram de garantir o seu apoio a este e aos outros aquartelamentos.
Miguel Pessoa

JC: Miguel Pessoa, esta é fantástica, um excelente exemplo de como se pode dar informação com sentido de humor. Neste caso concreto a sensibilidade era muita, mas o entendimento das reais necessidades era escasso. Se calhar por aqui se pode perceber que nem sempre as melhores intenções têm um resultado correcto, o que pode gerar desentendimentos e apreciações injustas.
Felizmente tudo acabou bem e hoje parece caricato e até merece uma gargalhada daquelas bem puxadas.
Quanto ao encontro que referes e bem, estou desmoralizado pois não vou poder estar presente por motivos de compromissos familiares inadiáveis (o que é uma coincidência incrível, tendo o encontro sido marcado com tanta antecedência). Desejo que tenham um dia inesquecível, mas eu depois envio uma mensagem à Linha da Frente e afins.
Saudações Especiais