sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

812 VOAR NOVAMENTE DEPOIS DE...ATINGIDO!!!

Miguel Pessoa
Ten.Pilav.(Hoje Cor.Pilav.Ref.) Guiné
Lisboa

Caro Victor
Aqui te envio um texto para o blogue, caso queiras publicá-lo.Leva uma dedicatória especial para os mecânicos da BA12, que tanto contribuíram para o esforço de guerra da FAP na Guiné.
Um abraço
Miguel Pessoa

UM DIA ROTINEIRO NA BA12



Partida para a missão


O mecânico acompanha-me enquanto faço a inspecção de 360º ao Fiat G-91 estacionado na placa, na BA12. Sinto a ansiedade habitual nos últimos voos. Também não admira - quando sabemos que vamos encontrar fogo de anti-aérea e possíveis Strela, é natural que fiquemos preocupados. Como tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago enquanto continuo a inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de vomitar mas nada sai. Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e ninguém gosta de dar parte de fraco ao pé dos outros.
Mas os antecedentes não ajudam muito... Já "fui ao charco" uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser "apanhado à mão", por isso é natural que esteja preocupado.
Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker(*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.
Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais. Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.
O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no "cockpit" - controlo um último espasmo e enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou.
Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o "check-list" para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da "canopy"(**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.
Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao mecânico que me deu a saída. Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.
Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no "briefing" antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior.
Os "Tigres" da Esq. 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...
Miguel Pessoa

(*) Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4
(**) Cobertura da cabina

VB: Ó Miguel,pelo que vejo,também fizeste o teu"Diário da Guiné"?!...Que dia ou págª.é esta?
Pois estas tuas passagens já as não vivi na Guiné visto ter terminado a minha comissão primeiro que tu(Piu-Piu),mas recordo outras que nunca mais me vão sair da memória.Sabes bem ao que me refiro,e os nossos companheiros também,pois já o frisei neste espaço,o teu acidente.
Lidar contigo é um privilégio que nem todos têm!
Eu fui e continuo a ser um privilegiado.
Obrigado,Companheiro!