sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

638 O BÉBÉ PANÇUDO.


José Raimundo
Esp.MMA Mueda - Moçambique

Coimbra






Nasci em França,na Maternidade da SUD AVIATION.Foi um parto difícil,após vários anos de gestação.Deram-me o nome pomposo de ALLOUETTE III.Nasci robusto e saudável.Nessa Maternidade nasceram outros meus irmãos,e como éramos muitos,distribuíram-nos por diversas famílias Europeias.
Eu e outros irmãos,viemos parar a uma família Portuguesa de seu nome Força Aérea e fomos muito bem recebidos no nosso novo lar.Ajudaram-nos nos nossos primeiros "passos" uma rapaziada a quem davam o nome de pilotos e assim fomos adquirindo mais afoiteza no céu azul e sol esplendoroso de Portugal.
Lavaram-nos para as luzirias do Ribatejo,puxaram por nós nas planícies Alentejanas,elevaram-nos nas alturas da Serra da Estrela.Vimos coisas boas estendidas nas douradas areias das nossas praias.Cortaram-nos a respiração nas descidas bruscas e rápidas das auto-rotações.Tudo isto dava gozo.
Já me estava a esquecer de vos dizer que dormíamos no "solar de Tancos".
Eis que então surge alguém de ideias luminosas com vontade de nos mudar para outras paragens.
Que se estava a passar?...
Para onde vamos?...
Sem se justificarem,encaixotaram-nos,meteram-nos dentro de uma outro nosso familiar.
Após longas horas de amargura e falta de ar,dei por descer numa terra completamente diferente.O calor sufocava-nos.A respiração era difícil!!!
Até as pessoas eram diferentes.A sua cor de pele estranha.Ouvimos dizer que era África,Moçambique.
Que estávamos afinal ali a fazer?...A resposta foi dura e seca. Vão para a guerra!!
Mandaram-nos para Nampula.
Deram-nos uma roupagem nova e a confusão entre nós era cada vez maior.
Guerra?
Mas que guerra?
Que fizemos nós para nos empurrarem para uma situação bélica?
Facilmente,entretanto,percebemos o porque do nosso chamamento.
Lançaram-nos para os "Lares de Mueda,Vila Cabral e Tete".
Era a ajuda,a palavra amiga que levamos a quem de nós precisava.
Fomos obrigados a apertar os nossos corpos em buracos da selva,onde mal cabia um rotor.Sustivemos a respiração em situações delicadas de tiroteio.O meu corpo foi várias vezes dilacerado,fazendo-me chorar lágrimas de horror e raiva ao mesmo tempo.
Chamaram-nos de "Moscas","Índios" e outras coisas mais.No entanto tínhamos uma coisa em comum,ajudar onde quer que que fosse e em condições para as quais não tínhamos sido preparados,mas resistíamos.
O cansaço por vezes era enorme.Valia-nos uma plêiade de pessoas que tratavam de nós com carinho,zelo e grande profissionalismo,de seu nome,MECÂNICOS.Os dedos que faziam funcionar as nossas pás,e nos manobravam com delicados trejeitos de bailarinos,davam pelo nome de PILOTOS.
Terminada aquela estúpida aventura,alguns dos meus irmãos ficaram naquelas paragens.Eu,regressei à minha casa mãe,onde continuo.
Sinto-me cansado e agastado e tenho recorrido algumas vezes aos serviços hospitalares das OGMA.
Resta-me a mim e aos restantes familiares,aguardar que a morte nos atire para um amontoado de ferros retorcidos,numa passagem efémera neste Mundo demasiado conturbado.
Alegres no entanto por termos cumprido a nossa missão enquanto vivos!
Até um dia ALLOUETTE III!


José Raimundo