domingo, 17 de agosto de 2008

A MINHA 2ª COMISSÃO NA GUINÉ.


378-António Dâmaso
Sargº.Mor Paraquedista Guiné

Odemira



Boa tarde camarada Barata

Umas vezes trato-te por camarada e outras por companheiro, tudo tem uma explicação, ai vai:

No meu tempo, na Força Aérea dos especialistas, o tratamento entre militares de posto inferior para superior, era de senhor em vez de meu e entre classes iguais era de companheiro.

Hoje o meu pensamento vai para o soldado desconhecido, digo eu, refiro-me àquele militar com ou sem patente, que estava lá, contribuía com o seu esforço para o conjunto, como formiga obreira, mas que, por não ter cunhas, não ser engraçado nem engraxador, via as benesses passar-lhe ao lado, não havia prémios do Governador da Província, nem promoções a cabo, nem férias, em resumo nada de nada, no entanto lá iam procurando manter-se vivo, com a agravante de passarem uma comissão a viverem em buracos sem as mínimas condições.

As minhas palavras valem o que valem, sabemos que dois observadores colocados no mesmo ponto, cada um tem a sua visão dos acontecimentos e depois na narração, cada qual compõe o ramalhete à sua maneira.

Por outro lado, a sensibilidade para suportar a dor e outras situações traumáticas, varia de indivíduo para indivíduo.

Vou falar da minha comissão na Guiné e dos motivos que me levaram a ir para lá segunda vez:Quando regressei da primeira comissão, depois das férias apanhei a escala de serviço, com cinco fins-de-semana seguidos com começo à sexta ao render da parada e fim na segunda à mesma hora.

Depois foi uma instrução de Combate, seguidamente uma recruta, com três instruções nocturnas por semana que me impediam de ir a casa embora só morasse a cerca de 10 KM, depois foi a informação de que estava à bica para ser nomeado para Moçambique, isto levou a que me oferecesse novamente para a Guiné por já conhecer e estar convencido de serem só 18 meses.

Cheguei à Guiné BCP12, em 20MAR69, ia a contar ir para uma companhia operacional, mas devido à minha especialidade, fui aumentado ao efectivo da CMI, (Companhia de Material e Infra-estruturas) passando a desempenhar as funções de chefe de movimento na secção de transportes auto.

Como não ia para o mato, mandei ir a família, estava tudo a correr bem, até que um dia escalei umas viaturas para irem transportar uma companhia que regressava do mato, os militares saíram da viatura e de imediato colocaram-se uns à frente e outros atrás e procederam à acção de desarmar, o material de guerra.

O condutor apitou para que o deixassem passar mas em vez disso, um jovem Tenente comandante do pelotão foi à viatura, sacou o condutor e deu-lhe valente tareia, eu tinha assistido à parte final e quando o condutor chegou junto de mim a chorar informei-o de que lhe assistia o direito de se queixar tendo a obrigação de previamente lhe dar conhecimento de que se ia queixar.

O condutor argumentou que não sabia fazer a queixa, como ele estava debaixo das minhas ordens directas, armei-me em Chico esperto e redigi logo a queixa e lá foi o condutor de queixa na mão, dar conhecimento ao senhor tenente de que se ia queixar, este matreiro, deu a volta ao rapaz, que não apresentou queixa nenhuma e eu passados três ou quatro dias sem que ninguém me tivesse dito nada, fui transferido para a CCP122 e com a G3 nas unhas e mochila às costas colocado no pelotão do citado senhor oficial isto a 29MAI69 em 30 marchei para Mansabá onde estava a Companhia, sem que eu o soubesse começou aqui uma perseguição que me deu cabo da vida militar para sempre com graves reflexos para a vida privada e familiar, só vim a saber em 1975, pelo facto do mesmo se ter gabado do feito, com alguns ouvintes que depois me deram conhecimento.

A missão da Companhia na altura era fazer segurança à estrada que estava a ser construída entre Mansabá e Farim, dar protecção às colunas auto efectuadas entre Mansabá-Mansoa e vice-versa, para descansar íamos fazendo uns Heli-assaltos.

Foi assim que tomei parte na Operação «Orféu», juntamente com a 15.ª C. Comandos, na zona de Bula no dia 13JUN69, onde se fizeram alguns mortos, prisioneiros e se apanhou muito material de guerra, nesta operação fui colocado na segunda vaga, no outro estremo da mata, tendo como missão a limpeza e destruição.

No dia 20JUN69 tomei parte na operação «Nestor» também na zona de Bula, Choquemone mais uma vez 2.ª vaga, destruição e limpeza, mais prisioneiros, mais material, vi coisas que me chocaram entre elas, o cavalheiro Tenente estar a dar um "tratamento" a um prisioneiro, pelos vistos, gostava de "malhar"nos mais fracos.

No inicio de Julho fui com a C.ª para Teixeira Pinto, via auto e os cicerones lá iam informando o periquito que era eu, dos locais onde tinham havido emboscadas às nossas tropas, confesso que aquela mata metia respeito.

Depois de três dias em Teixeira Pinto, a caçar umas perdizes junto à pista, pombos verdes nas mangueiras, apanhar algum marisco, estava a ambientar-me, até que, no dia 08JUL69, enfiaram-me numa DO27 rumo a Bissau.

Chegado ao BCP12, estava lá uma CCP que passaram a chamar de CCP123, esta C.ª tinha sido formada em Tancos com destino a Angola, mas à última hora, foi parar à Guiné como reforço.

Recebi ordens para integrar a mesma o Comandante já o conhecia da 1.ª comissão, tinha lá estado como Alferes, alguns dos Sargentos também lá tinham estado até aí tudo bem.

De armas e bagagens, embarcamos no Cais de Bissau numa LDM, Geba acima até Bambadinca, se não estou em erro, chegados aí, viaturas até Bafatá ficamos asilados no Esquadrão de Cavalaria FOX.No dia 11JUL69 embarcamos nas viaturas com destino a Galomaro e aí tomamos os helis para a operação «Sátiro» que durou dois dias na zona de Palada-Jábia além da CCP123, participou a C.ª Caç 5, no dia 12, fomos recuperados de Heli para Nova Lamego de onde seguimos via auto para Bafatá, quando estávamos a chegar vimos os Helis a aterrar pela ordem de aproximação e o Heli-canhão a dar mais uma volta tendo tocado com a ponta da Hélice numa das antenas rádio, enrolou vindo a despenhar-se no solo.

Como se incendiou, as munições do canhão começaram a rebentar em todas as direcções sem que nada se pudesse fazer para os tirar daquele inferno de chamas, aquela cena lancinante, causou-nos a todos grande consternação e pesar, ali ficaram mais duas vidas a do piloto e do apontador do canhão.

VB:Já estranhávamos a tua ausência mas como estamos em período de férias...
Para mim Companheiro ou Camarada,cada um interpreta-as à sua maneira,para mim em termos de aplicação,é igual.
Muitas vezes pretende-se arranjar algumas incompatibilidade através destas palavras,arranjando significados que são apenas de utilização pessoal.
Já agora gostava de te perguntar se conheces alguma aeronave com maior comodidade que a DO 27? Que grande máquina,tenho bastantes horas de voo nesse lindo passarito(teco-teco),e também grande saudade de não poder tornar a saborear um tiro que levei na asa esquerda junto ao deposito de combustível,uma sensação...do "caraças"!