sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

COMO SE CHEGOU ZÉ ESPECIAL!




89-Mensagem do João Coelho
MMA


3ª/63




Viva,amigo Barata!
Obrigado pela inserção do escrito,é uma forma de exercitar as meninges e de manter a chama viva!
Não me agrada muito a ideia de ser o representante da incorporação mais antiga,mas pode ser que,atrás de mim outros aparecam...C'est la vie,o tempo passa,nada a fazer...As fotos seguirão em breve,tenho de ir à procura no caixote das antiguidades.
Já agora...concluida a recruta veio a especialidade,tentei os OCART(Controlador de Trafego Aéreo)porque era a que dava saida como furriel,deu em nega,as vagas foram preenchidas por meninos com o 7ºano dos Liceus e filhos de gente fina(ainda recordo os apelidos mas não vale a pena ir por ai)coloquei em 2ªopcão Radarista,outra nega,e acabei em MMA...Feito o curso,ainda na Ota,com alguma cabolice pelo meio,tirei,se bem me lembro,média de 14.Segui-se a escolha da unidade,todos os meus camaradas açoreanos optaram pela BA 4(Lajes-Açores),eu,que tinha uma namoradita em Lisboa,tentei o AB 1, Portela...e consegui.
Viemos da Ota para a Portela,de DC 6,imagine-se, calculo que fosse um voo de instruçaõ,e com escala pela BA 6,Montijo,onde ficaram alguns Especialistas.
No AB1 iniciei a minha actividade como mecânco de avião,lavando os capots dos motores de um DC 6 ou DC 4,não me lembro bem.Sei que era Inverno,chovia e fazia frio,ao tempo os quadrimotores não cabiam no hangar,entrava o nariz e a zona dianteira do avião e os motores ajustavam-se a uma plantaforma coberta por chapas de zinco,sem protecção lateral...enfim,dava para perceber que,com mau tempo,aquilo era um "pincel".
Ao segundo dia de trabalho,reunidos à espera de instruções,aparece um 1ºSargº.MMA,Correia,que tinha vindo da Aviacão Naval,e pergunta:
-"Há aqui alguem que saiba desenhar?"O meu pai,que Deus tenha ,dizia-me que, na tropa,não
se é voluntário para nada,mas c'os diabos,eu até já fora voluntário para a FAP...respondi:
-"Eu sei." E lá fui para a Secção Técnica do AB 1,desenhador,copiador e o mais que fosse preciso...Dito de outra forma,nunca mais toquei no motor de um avião!...mas por vezes pensava,se volto à manutenção,ou se me mobilizam,tou feito,não sei nada...Mas nunca aconteceu,tudo bem.
Entretanto,entrava na escala de Mecânico Dia e estreei-me,com outro camarada,o Acácio,numa saida nocturna de um DC 6 para a Beira,avião estacionado mesmo em frente ao antigo terminal,com o terraço cheio de gente,e nós colocados,cada um com um extintor de rodas,debaixo das asas,dois motores a cada.Passageiros embarcados,o comandante põe o braço fora do cokpit e faz sinal de que vai arrancar com o motor 1,o hélice dá uma volta,duas voltas,manda uma baforada de fumo e...catrapum...sai"ratere",e uma grande labareda escapa-se do motor...!Bom,os dois Cabos-Especialistas MMA,Coelho e Acácio,Mecânicos de Dia,nem pensaram duas vezes,sairam em corrida,para zona de relva adjacente à placa deixando atrás os extintores e o SargºMecânico que gritava por nós,com uns sonoros "seus filhos da...,voltem já aqui seus cabrões...!"Um episódio idiota,fruto da ignorância,que,felizmente,não teve consequências porque o Sargºpercebeu que era tudo resultado da nossa "verdura".
De resto,no AB 1 vivia-se das saidas e chegadas dos avões dos TAM (Transportes Aéreos Militares)os "Skymaster" tinham base nas Lajes,mas escalavam Lisboa e faziam muitas vezes manutençõa no AB 1,eram um espectáculo,ronceiros,com frequentes fugas de oleo no Verão,com céu limpo,da pista via-se uma bola de fumo lá longe,no céu,era o voo das Lajes,o oleo caia nos tubos de escape e criava uma nuvem de fumo,de grande efeito.
Nos voos de Lisboa para a Terceira era frequente apanhar com ventos contrários,e,quando isso acontecia,a viagem prolongava-se por mais 6 horas,tipo"moinho de café"...
Com o DC 6 tudo mudava,mais velozes,mais confortáveis,com cadeiras individuais-no DC 4 usavam-se as lonas laterais,com meia duzia de poltronas lá na frente,quando os "vip's iam de viagem "trabalhar" no PX dos americanos,tarefa que aliás,tambem tinha muita procura nos voos de instrução/navegação até aos Açores.Era ver,no regresso,as portas do avião a abrir
e ver frigorificos,televisões,caixas com serviços de "pirex",ainda hoje tenho um com 52 peças
impecável,enfim,parecia a caverna do Ali Bábá.
Outro espectáculo era a saida dos aviões em formato de "cargueiros",com material de guerra para África.O avião parecia um monstro que engolia tudo,e recordo-me de uma descolagem nocturna em especial,um DC 6 com destino a Luanda,cheinho até mais não,que levou o pessoal que não estava de serviço a ir assistir à saida,para ver como iam correr as coisas.Lembro-me perfeitamente da cena,o avião no"round up"dos motores,no cabeço da pista maior(lado 2ª circular)com aquele ronco,inesquecível,da potência máxima e depois a corrida pela pista,a luzinha branca do topo da cauda e deslizar,anda,anda,anda,sempre à mesma altura,Jesus,será que ele consegue?E finalmente lá bem no fim,ver,pelas luzes de navegação,que já tinha tirado as rodas do chão,para alivio de todos...
Era um punhado de grandes pilotos,Lemos Ferreira,Norton Afonso,Paulino e outros cujo nome esqueci,gente capaz,extremamente competente,lidando com material obsolento e apoiado,diga-se,por pessoal de terra altamente experiente tambem.
Dolorosas eram as chegadas dos aviões de evacuação,o abrir das portas,o cheiro a sangue,éter e suor,os feridos-amputados,cegos,cacimbados ,as enfermeiras páras que por vezes os acompanhavam,mulheres de barba rija,(uma delas,que já não saltava devido a uma fractura,uma loirinha de pequena estatura mas toda boazona,era alferes,foi colocada na nossa enfermaria,tinhamos de lhe bater a pala,era ver quem o fazia mais perfeitinho,para impressionar,foi uma sensação no meio daqueles machos todos),a saída das macas,em jogos de equilibrio,as senhoras da Cruz Vermelha todas aperaltadas,as chegadas faziam-se sempre à noite,por vezes de madrugada,para o povo não dar por elas,o avião vinha rebocado a tractor até à placa no interior do AB 1,ninguém saia lá em cima na placa civil.
Coisa boa que o AB 1 tinha estava ligada ao facto de oficiais-pilotos utilizarem aviões da unidade,um Dakota em versão"vip",com uns belissimos cadeirões em couro azul,e um Beechcraft,para fazer horas de voo.Realizavam-se normalmente ao fim de semana e nós,se não tinhamos passe de saida,aproveitavamos o passeio quando se tratava do Ten.Cor.Monteiro,era garantida a volta turistica,o cabo MMA Tavares,um dos mais antigos na especialidade,dizia-se a fazer de Mecânico de Bordo e nós lá atrás,numa boa,só conforto e boas vistas,olha a Arrabida,lá vem Sesimbra,roda para a Leziria,a Ponte de Vila Franca...e por ai fora,o piloto era uma excelente pessoa,queria companhia e não lhe faltava quen quisesse passear...
Diferentes eram as sessões de voos de instrução,só por instrumentos,no DC 6,chegados ao AB 1,à hora de jantar,dizem-nos: -Pessoal,hoje à noite há voo,quem quiser alinhar que esteja ás não sei quantas na placa.E lá foi a malta ,toda satisfeita,noite de Verão,vamos voar e coisa e tal,vai ser porreiro!Bom,nem vos digo nada...Descidas de emergência,toca e anda na pista,desce e borrega,corta motor,põe motor,curva apertada à esquerda,depois à direita...Um autêntico pesadelo,o estômago na boca,o vómito...quando nos apanhamos no chão,fez-se uma jura,"passeios"daqueles,nunca mais!
E mais não digo,por agora.
Saudações aeronauticas e até breve!
João Coelho